Visões de um peregrino

26 de março de 2010



Com intuito de disseminar pelo mundo histórias e personagens relevantes na cultura surf do Brasil, é com grande satisfação que o Surf & Cult inaugura uma parceria com o excelente blog norte-americano Liquid Salt, que em pouco tempo de vida já se tornou uma referência internacional, com seus perfis de personalidades que promovem a arte, a cultura e o estilo de vida do surf.

O primeiro personagem escolhido é Sidney Tenucci Jr - ou simplesmente Sidão -, jornalista-escritor- viajante e um dos fundadores do surfwear no Brasil, a frente da marca OP (Ocean Pacific), verdadeiro ícone da juventude nos anos 80.

Ao decidir viver o sonho de desfrutar para sempre a essência do surf, na busca por conhecimento e ondas perfeitas ao redor do planeta, ele compartilhou algumas de suas experiências de maneira artística e poética nos livros O Surfista Peregrino e Almaquática – em parceria com o fotógrafo Klaus Mitteldorf e o designer David Carson.


Pipeline 1975

Nesta entrevista exclusiva, Sidão nos conta um pouco de sua história e revela as suas impressões sobre o surf e a vida.

1 – Conte um pouco sobre a sua infância?

Jogava futebol na rua, quando ainda tinha rua de terra em Sampa. Pegava onda de peito nas ressacas dos 11 aos 13 anos. O surf começou a partir dos 13/14 anos no Guarujá. Também andava muito a cavalo com os amigos num haras que meu pai tinha.

2 – Quando você ganhou a sua primeira prancha de surf?

Aos 13 anos. Era uma INDUMA. A marca nem existe mais, parou por ali mesmo!

3 – Qual a sensação que teve ao ficar em pé em sua primeira onda?

Mágica, como a de todo mundo, eu acho. A minha percepção do adolescente é que ali eu tinha encontrado pelo menos "um" significado para a vida.

4 – Em quem você se espelhava quando era adolescente?

Lia muito. Sempre gostei de autores como Dostoievski, Hermann Hesse, Gabriel Garcia Márquez.

Muita música, claro. Até hoje sou fã dos caras que revolucinaram a música nos anos 70, com qualidade, inovação e atitude: Yes, Genesis, Jethro Tull, Emerson, Lake & Palmer, Pink Floyd, etc. Além dos eternos Chico, Jobim e Caetano.
Gandhi, Jesus e Buda também são figuras recorrentes.




5 – O que você procura transmitir em suas criações artísticas e literárias?


O que eu sinto, com a menor interferência possível do intelecto. Existe um nível de interação com o seu interior que consiste numa busca eterna. Expressar essas camadas não detectáveis pela mente ordinária é tarefa para a música, para a poesia, para uma narrativa espontânea que consiga se permitir acessar o fundo do baú (risos).

6 – Dos muitos lugares por onde viajou, qual o que mais se destaca em sua mente? Por que?

Sri Lanka foi surreal, com elefantes selvagens passeando numa praia selvagem enquanto eu surfava do outro lado da ilha, em Arugan Bay, povoado de Ulé. Fui parar lá de modo inesperado. Mais uma vez sair da trilha batida pagou altos juros espirituais.

Em Bali vivenciei a maior confluência entre uma cultura excepcionalmente rica e uma diversidade de ondas perfeitas que eu já encontrei.

O Hawaii nos anos 70, quando ser brasileiro era ainda exótico e surfar por lá era como estar em
outro planeta que relativamente poucas pessoas conheciam.

O Litoral Norte de São Paulo no final dos anos 60 e começo dos 70. A magia do não-descoberto era fortíssima, no que hoje, aparentemente, é um lugar com relativa proximidade de Sampa. Na época era outra galáxia. E nós a desvendamos.

No fundo a magia da descoberta é sempre um elemento de deslumbramento necessário para abrir as jovens ( e velhas ) almas! (risos) Ainda hoje...


Peru 1972

7 – O que mais te inspira?

Tudo. É aleatório. Pode ser qualquer coisa mesmo, desde uma folha caindo com inesperada criatividade e volteios inesperados, até um rosto feminino que sugira mas não revele totalmente o seu mistério, passando por uma brisa que surja do nada e penteie a crista de um swell que chegou de madrugada.

8 – Qual foi a coisa mais importante que você aprendeu em sua vida?

IHH! Vou citar só alguns exemplos. São coisas que aprendi e que, óbvio, continuo reaprendendo, porque difícilmente se incorporam de maneira inalienável:

Que o segundo é tudo que existe. Que o amor que você dá permanece para sempre. Que o surf é um veículo divino para o desenvolvimento da Consciência. Que nós somos o mistério, e que ele nos envolve e nos eleva. Que a humildade é ensinada pela vida, com leveza ou na porrada. É, contraditóriamente, um dom apreendido. Que o ego tem sua função fundamental, mas não é o que nós somos. Se aprendermos a olhar para ele, de fora, é um gigantesco avanço no caminho da verdade, de quem realmente somos. Ser pai.

9 – Qual o seu maior motivo de orgulho?

Ter a capacidade de continuar evoluindo, aprendendo, tendo a capacidade de sutilizar a minha perceção a ponto de vislumbrar novos mundos sem sair de casa.


Guarujá 1973

10 – Qual o significado que o surf tem para você e de que maneira ele transformou sua vida?

Todas as respostas acima. Acrescentaria coragem, no sentido de penetrar no medo e sair do outro lado. E também trabalhar o seu prazer interno de modo que eu seja cada vez mais íntegro.

11 – Neste mundo, o que te traz mais felicidade?

Tudo. Depende só de mim, não das coisas ou pessoas.

12 – Em sua opinião, quais são as pessoas que estão moldando o futuro do surf atualmente?

Pode parecer ( e é ) contraditório para o dono da OP dizer isso, mas, na minha opinião, são os indivíduos que não estão vinculadas a campeonatos, comercialização de produtos ligados ao surf, qualquer atividade ou interesse exterior á prática pura e simples de flutuar sobre as ondas.

13 – Qual é o seu quiver atual e sua prancha preferida?

Dois longboards de 9´2´´ e uma fish ( a ser entregue ainda ) de 6´2´´

14 – Qual é a sua refeição favorita?


Arroz integral, feijão preto, camarão no alho, abobrinha refogada, salada com rúcula, couve-flor, alface, brócoli e um bom vinho numa boa companhia.
Sobremesa: chocolate.

15 – Quis os sons que mais tocam em seu player ultimamente?

Bach, as bandas dos anos 70 citadas acima, instrumentais atemporais, Cecilio & Kapono (banda havaiana que me leva pelo tempo), Astor Piazzola, MPB, Chet Baker.



16 – Qual o seu maior motivo de agradecimento?

Todos.

17 - Você ajudou a fundar o surfwear no Brasil no final dos anos 70. Como vê a evolução da cultura surf no Brasil ao longo do tempo? Em sua opinião, existe uma identidade própria?

Foi engolida pelo excesso de comercialização, tornando-a, em grande medida, pasteurizada e sem identidade.

18 – O que vem pela frente na vida de Sidão Tenucci?

Tenho vários livros a serem publicados, algumas viagens a serem feitas, muitas pessoas a serem conhecidas e a retomada da OP está sendo muito prazeirosa, mas, no fundo, realmente não quero saber. Estragaria a surpresa.

Confira a versão em inglês na Liquid Salt clicando aqui.

Créditos: foto de abertura - Paulo Vainer. Demais imagens, arquivo pessoal e divulgação.

Um comentário:

Anônimo disse...

11 – Neste mundo, o que te traz mais felicidade?

Tudo. Depende só de mim, não das coisas ou pessoas.

Foda! Parabéns pela entrevista.

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