Muitas Ondas na Bagagem

19 de julho de 2010



Conhecer pessoalmente Greg Noll é uma experiência especial na vida de qualquer surfista com um mínimo de conhecimento sobre a história da arte de deslizar sobre as ondas.

Poderia discorrer por vários parágrafos para tentar explicar o que torna alguém como ele uma “lenda”, mas serei breve: Pioneiro no surf de ondas grandes no Hawaii, pioneiro também na arte de fabricar pranchas e em toda a indústria do surf na Califórnia, este homem foi o responsável por transformar um simples calção de banho listrado em um autêntico ícone do surf em todo o planeta, graças ao seu carisma e talento dentro e fora d`água.



Mais de meio século depois destas referências, o que perguntar a este respeitável senhor de 73 anos, que veio acompanhado de sua esposa, em sua primeira visita ao Brasil?

Em meio ao burburinho em torno de sua presença no Festivalma em São Paulo, confesso que simplesmente não me ocorreu nada de que já não soubesse a resposta e também não estava a fim de questionar o óbvio: “o que você está achando do Brasil?” (é claro que ele vai dizer que está adorando, mesmo que isso não seja verdade!). Assim, apenas o cumprimentei e fiquei observando as suas reações diante das muitas pessoas que vinham conversar, tirar fotos e pedir autógrafos.

Bom, mas pensando bem, o homem estava ali, e não custava nada arriscar: “Pergunta se ele ainda surfa?”, falei pro shaper Felipe Siebert quando ele foi pedir a Noll um autografo em seu livro “Greg Noll, The Art of the Surfboard”. A resposta foi “sim”, mas nós ficamos desconfiados pois lembramos das cenas do filme “One California Day” de 2007, onde Greg aparece como um surfista aposentado, dedicado as suas pescarias e ocasionalmente shapeando algumas pranchas de madeira.



Converso com sua esposa Laura e ela confirma que Noll realmente já não surfa há vários anos – o velho “Da Bull” realmente parece estar demasiado pesado para isso – e que gosta apenas de shapear pranchas de madeira, pois não suporta mais a sujeira tóxica das espumas convencionais. Passado tanto tempo desde que montou a primeira surf shop nos anos 50, ele ainda mantém uma loja Noll Surfboards gerenciada por seu filho, o shaper Jed Noll no norte da Califórnia.


encontro de pioneiros

Entre as muitas pessoas que conheceu, Noll mostrou-se visivelmente emocionado com o pessoal dos Pioneiros Surf Club de Santos, que o cercaram com grande reverência – dias depois ele esticaria a sua viagem ao Brasil para ir a Santos conhecer de perto o restante da turma de surfistas de longa data que usam réplicas dos famigerados calções com listras em preto e branco em sua homenagem (assista aqui). “O bom de ser velho é que a maioria dos seus amigos não está mais aqui para contestar as suas histórias”, brincou ele na roda de legends.


Felipe Siebert meets Greg Noll

Tentar verbalizar sobre a magia do surf nas entrevistas é sempre complicado e Noll, sempre de bom humor, preferiu ater-se à simplicidade de um discurso quase juvenil para descrever a sua relação com as ondas e a cultura de praia que ajudou a popularizar. Para ele, a essência do surf reside na mesma motivação pueril que o impulsionou desde o princípio a ficar em pé sobre uma prancha: “a diversão com os amigos nas ondas e a curtição com as garotas na praia”.

Nesse sentido, Noll mostrou-se um legítimo representante de alguns traços positivos que podemos associar aos surfistas: um sujeito simples, amistoso, despretensioso, sem estrelismos nem grandes ambições. Uma postura que só o fez ainda mais admirado por todos aqueles que se aproximaram dele em sua passagem pelo Brasil.


Noll com a esposa Laura assina poster do amigo Cau Cabral - foto: Siebert

Depois de tantas décadas dedicadas ao surf, fiquei tentando entender os motivos para alguém como Noll abandonar as ondas. Será que chega um momento na vida de um surfista, por mais fissurado que seja, em que ele decide que já surfou o suficiente? Sempre imaginei que vou seguir surfando até o meu corpo não me permitir mais, mas talvez esteja enganado.

Recentemente assisti a uma entrevista com outra “lenda viva” do surf, o havaiano Gerry Lopez, na qual ele, com simplicidade, explicava os motivos que o levaram a deixar o Hawaii para morar no interior do estado do Oregon nos últimos anos. (assista aqui).

Em sua sabedoria, Lopez relata que depois de tanto tempo passado deslizando no mar em pé sobre uma prancha, ele não precisa mais surfar ondas perfeitas todo dia para se sentir realizado com o surf. Ao longo de sua longa vivência no oceano, o eterno mestre de Pipeline revela ter descoberto que não é necessário muita coisa para se desfrutar a satisfação plena proporcionada pelo surf.


Noll e uma de suas obras de arte - foto: Siebert

No caso de Lopez, surfar de vez em quando algumas merrecas geladas e mexidas no Oregon já é suficiente para fazer a sua cabeça. No caso de Noll, talvez a energia positiva que recebeu de seus muitos admiradores no Brasil tenha valido por tantas sessões de surf que deixou de experimentar nos últimos anos. Mesmo sem colocar os pés no mar, ele parece ter ido embora desta viagem com muitas ondas surfadas na bagagem.

Créditos: foto de abertura Noll Surfboards e reprodução de livro - Vintage Greg Noll
Saiba mais sobre Greg Noll e sua visita ao Brasil clicando aqui e aqui.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom o papo e parabéns pela sacada. A história do surf é fundamental ser falada.Assim as próximas gerações serão de homens do mar melhores e mais humanos, simples!
Castro pereira

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