A Primeira Prancha

26 de agosto de 2009



Quem não se lembra de seu primeiro contato com o surf? No meu caso, tenho que apelar para as memórias de minha mãe, que me conta aos risos do dia em que, com apenas 4 anos, atravessei a rua em direção ao mercado em frente de casa, peguei uma prancha de isopor que estava dando sopa e simplesmente saí correndo de volta para casa. Um furto inocente?! Seja como for, meu pai entendeu o recado e acabou comprando a tal prancha de isopor quando o dono do mercado veio atrás do pequeno meliante!

Passemos então à segunda pergunta: Como se desenvolve a paixão pelo surf? Com uma prancha na mão, tudo fica mais fácil. Nos verões seguintes, aquela prancha de isopor foi minha principal fonte de diversão dentro do mar, alternando as primeiras aventuras em pé sobre uma prancha, com a prática de “pegar jacaré”.

Pouco importou se logo nas primeiras caídas a prancha de isopor se partiu ao meio e foi se deteriorando ao longo do tempo até virar um mero toco quadrado. Ainda assim, lá estávamos eu e meus amigos todos os dias dentro d’água, com alguma camisa velha para nos proteger das horríveis assaduras (camiseta de lycra era um luxo para poucos na época), pegando onda até escurecer.



Aos 8 anos, o dia inesquecível: a primeira prancha de fibra! Uma 5.8, triquilha Invicta de segunda mão, que custou mais de 1 milhão de cruzeiros (ou cruzados!?). Daí pra frente era surf todo dia. Com chuva ou sol, flat ou ressaca, acordávamos às 8da manhã e surfavamos até o meio-dia. Depois do almoço ficávamos meio sem saber o que fazer, esperando o sol baixar um pouco, para as 3 e meia sairmos correndo para a praia novamente com as pranchas embaixo do braço.

Por quantas vezes andamos contra um vendaval de nordeste até o final da praia, para depois sermos trazidos de volta rapidamente pela correnteza? A fissura era tanta, que pouco importava se as ondas estavam mexidas e fracas, ou se ficamos mais tempo andando pela praia com a areia castigando as pernas, do que propriamente surfando.

Mais que um esporte saudável, o surf era um espaço de integração social, onde pudemos estabelecer amizades que duram até hoje. Uma turma que se encontrava todo verão no mar aberto da praia da Jaguaruna para pegar as espumas do quebra-coco e surfar até a beira, machucando os pés nas tatuíras.

Estávamos em meados dos anos 80 e o desenvolvimento do surf via a substituição das biquilhas pelas triquilhas – e até quadriquilhas. Também éramos vítimas de outras experimentações, como pranchas feitas com material de caiaque – um peso absurdo que dificultava, ou melhor, quase impossibilitava a cavada na onda. Até hoje a lembrança dessas pranchas provocam risadas, misturadas com saudades daquele tempo em que a única preocupação era simplesmente ficar dentro d`´agua surfando até escurercer.



Com o tempo, fomos avançando para as paredes tubulares do quebra-coco, até que nos verões seguintes já estávamos desafiando o outside. Logo seguiram-se as primeiras e inesquecíveis surf-trips para o Farol de Santa Marta, o supra-sumo palpável de nossa fantasia de surfistas aventureiros.

Naturalmente as pranchas acompanharam nossa evolução e os mais apaixonados pelo surf passaram a formar seus quivers - a minha modesta coleção inclui uma GR verde 5.11, com canaletas, adquirida nos idos de 91 e ainda usada em dias especiais.

Hoje, muitos se viram para tentar conciliar a paixão pelo surf com os compromissos “sérios e responsáveis” da vida adulta. Outros perderam o rip e quase não caem na água, e alguns simplesmente abandonaram o surf. Seja como for, o elo estabelecido naqueles verões permanece de alguma maneira, na lembrança da primeira prancha e na descoberta da magia do surf que ela representou.

Uma história que encontra paralelos por todo este imenso litoral brasileiro, e que se repete através dos tempos nas novas gerações de amantes e praticantes do surf.

Matéria publicada originalmente no site Surfarol em 2005

Foto 3: Eu e meu primo Nino Balsini com nossas primeiras pranchas de fibra - praia da Jaguaruna(SC), verão de 1984.

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