Capturando a Beleza

30 de outubro de 2009



A fotografia é um veículo essencial de divulgação do surf, alimentando um universo amplo de publicações e um sem número de profissionais que se dedicam a capturar imagens aquáticas ao redor do planeta. O fotógrafo Márcio David é um dos expoentes brasileiros nesta busca por traduzir em imagens, toda a beleza e encantamento proporcionados por esta integração do homem com a natureza.

Quem acompanha este blog percebe que a proposta editorial consiste em divulgar personagens e ações que de alguma maneira contribuam para o desenvolvimento positivo da cultura em torno do surf. No caso da fotografia, o desafio é tentar contemplar àqueles profissionais que conseguem de alguma maneira se diferenciar em seu trabalho, com conteúdo artístico e inovador, em meio à extensa lista de fotógrafos aquáticos que exibem o seu trabalho em meio impresso e digital.



O prazer do contato direto com o mar, as ondas e a natureza em cenários paradisíacos ao redor do mundo é por si só um elemento que justifica o grande número de adeptos desta profissão. O avanço da tecnologia e a facilidade de acesso aos recursos tecnológicos multiplicaram ainda mais o número de fotógrafos envolvidos com a produção de fotos de surf, o que exige ainda mais dedicação e talento do profissional envolvido com o rico conteúdo de imagens proporcionado pela arte de deslizar sobre as ondas.

Na entrevista a seguir, Márcio conta um pouco sobre a sua trajetória e oferece uma visão consistente sobre os elementos que envolvem a boa fotografia de surf. E se a característica primordial de uma grande foto é o poder de transmtir sensações agradáveis em qualquer pessoa, as vezes é impossível verbalizar os sentimentos e impressões pessoais que ela desperta.

Seja como for, o fato é que mesmo sem termos o conhecimento técnico para avaliar o valor artístico de uma fotografia, certamente sabemos distinguir um trabalho profissional de uma simples registro capturado ao acaso. No caso das imagens que ilustram esta matéria, elas certamente valem mais do que mil palavras.



1 - Fale um pouco de sua origem e iniciação no mundo da fotografia?


Sou paulista e moro em Florianópolis desde 1999. Comecei o trabalho com fotografia em 1993, como assistente no estúdio da agência de publicidade Almap/BBDO. Passei a fotografar profissionalmente em 2002.

Quando me interessei por fotografia gostava bastante do estúdio fotográfico. Dominar a luz e criar em cima de um tema era um desafio que me despertou um foco grande em me tornar fotógrafo. Com o tempo fui perdendo o interesse por foto publicitária e de estúdio - montar cenário e criar cenas não era muito a minha praia - não me via como fotógrafo publicitário. O desafio de viver próximo ao oceano e registrar momentos únicos do mar foi e é a maior busca da minha vida.



2 - Conte um pouco sobre os trabalhos profissionais mais significativos que já realizou e os seus projetos atuais.


Todo trabalho tem um significado especial, as vezes até sessões no quintal de casa tem um sentimento legal. Um dia subi uma trilha aqui da ilha de Florianópolis com o meu amigo e surfista Guga Arruda. Estávamos na maior vibe de fazer um bom material que todos os fatores importantes para se tornar significativo apareceram. A “drena” de pegar um mar grande, cair dentro d’ água e fazer boas fotos, respirar o ar puro da trilha e uma boa conversa já tem todos os ingredientes necessários para ser significativo.

Claro que viajar e conhecer lugares novos tem um significado diferente, ter conhecido Mentawaii e ter a sorte de encontrar os irmãos Malloy junto de Rob Machado e Gerry Lopez foi um prêmio, no final consegui emplacar uma capa da viagem na revista Trip.



3 – Quais os seus projetos atuais?


Meu projeto atual é desenvolver e crescer com a fotografia aquática, ampliar cada vez mais meu banco de imagens de Santa Catarina e poder voltar para o Hawaii. Apesar de já conhecer o Hawaii e ter morado em Oahu, meu maior sonho e destino continua sendo a temporada no North Shore.

Atualmente trabalho também com um projeto chamado BoardInform, um totem que fica dentro do aeroporto de Florianópolis e traz informações sobre ondulações e a previsão do tempo. Alem das informações climáticas, o totem também tem uma programação cultural e informativa, que inclui uma apresentação chamada BoardSlides onde exponho meu trabalho em quatro temas: Natureza, Surf, Ondas e Paisagens. Nossa idéia é ampliar e colocar outros totens em diversos lugares da cidade e do Brasil.



4 - Quais as peculiaridades de se fotografar surf? Quais os profissionais que você mais admira no mundo da fotografia?


Fotografar surf tem todo um sentimento especial. Você abre mão de diversas coisas para viver uma vida mais simples e de total harmonia com a natureza. Não é fácil viver de surf como muitos pensam, ganhar grana com esse esporte exige uma dedicação e amor muito grande. O prazer de cair na água e viver o movimento do oceano faz com que esse esporte tenha um valor todo especial para a minha vida.

Admiro o trabalho de diversos fotógrafos, tanto de surf como fora do esporte. Por mais que surjam fotógrafos modernos e que extrapolem o campo de visão da fotografia aquática, como o Scott Aichner que é um mestre dentro da água, ainda continuo admirando a sensibilidade do veterano Aaron Chang e o poder de captura do brasileiro Sebastião Salgado, que não tem nada a ver com o surf. Sebastian Rojas é um mestre também, um dos melhores do mundo na área de surf.



5- Quais foram as experiências mais marcantes e as condições mais desafiadoras em que você já trabalhou?


Tenho algumas experiências marcantes, quando parti para minha primeira trip, sai de carro de Floripa junto com o big-rider João Capilé rumo ao Peru, para a cidade de Punta Hermosa. Nossa idéia era pegar um bom swell em Pico Alto, onde quebram ondas de 25 pés, mas o que me marcou foi ter entrado para fotografar El-Gringo, no Chile.

Nunca tinha visto ondas daquele tamanho e formação, fui contagiado pelo João que me deu maior pilha pra entrar no mar que estava com series de 8 a 10 pés. Por falta de experiência tomei uma serie enorme na cabeça e acabei perdendo minha câmera. Na hora bateu a maior “drena”, fiquei mais preocupado comigo do que o equipamento, mas assim que passou a serie a câmera saiu na minha frente no meio da espuma e tudo deu certo. Essa trip marcou por vários motivos, descemos a cordilheira sem freio nenhum, vimos o poder de um tsunami que destruiu uma cidade do Peru e outras roubadas de uma trip.

Entrar em Pipeline no Hawaii pela primeira vez também foi marcante, Pipe estava com oito pés plus, um espetáculo da natureza! Sabia entrar mais não tinha noção como sair (risos). Acabei caindo na vala do lado, um beach break com um quebra coco sinistro, levei uma surra para sair da corrente.



6 - A chegada da fotografia digital multiplicou e democratizou o acesso a diversos recursos tecnológicos e o surgimento de novos profissionais. Como você vê esta situação? Quais os desafios para se manter em destaque no mercado?


A fotografia digital chegou pra inovar e aperfeiçoar o universo de imagens. Sou do tempo da magia de revelar o filme fotográfico. Sempre gostei do processo da revelação e a ansiedade de ter conseguido boas fotos. Todo aquele processo tinha um mistério maravilhoso que fazia parte de todo o resultado final de um trabalho.

Para ser fotografo na época do filme o cara tinha que entender o mínimo de luz e sensibilidade de captar cada cena com o filme certo, com uma margem de erro bem menor do que hoje. Antes, o cara caia no mar com um filme de 36 poses e não podia errar. Hoje você tem 300 fotos e as câmeras digitais facilitam muito o processo de captura, com uma qualidade de alta definição, facilitando o máximo para quem esta atrás das lentes.



Com isso surgiram diversas pessoas com o interesse em se tornar profissional, o que tem um lado bom e um lado ruim. Com essa facilidade os fotógrafos de hoje não pensam muito para fotografar e esquecem de estudar e se aprofundar na fotografia da forma correta. As vezes tiram boas fotos mas esquecem de trabalhar com profundidade da campo, luz correta e sensibilidade de atingir o impacto fotográfico.

Por outro lado, a digital também te proporciona a criar mais, evoluir dentro de um resultado, explorar sem medo de errar e avaliar o trabalho na hora. Esse é um dos grandes benefícios das digitais: poder ver o que esta prduzindo. Acertar o erro é fenomenal e você acaba tendo um aproveitamento bem maior do que antes.

Acho que o ponto fundamental é o fotografo ter uma linguagem própria, um estilo de fotografar, isso é a grande diferença hoje de um grande fotografo. Existem muitos fotógrafos surgindo, mas poucos com um estilo próprio, aquele cara que sabe trabalhar com uma lente na hora certa, transmitir o verdadeiro encanto de um contra luz com um enquadramento criativo. Mesmo com os benefícios da digital eu ainda continuo acreditando que para se manter em destaque no mercado você tem que ter uma identidade própria e uma linguagem profissional.



7 - Quais os picos que mais gosta de fotografar? Quais as locações que ainda gostaria de visitar?


Gosto de fotografar em Fernando de Noronha, Moçambique e no Secret de Floripa.

Noronha tem todo um encanto de ser um dos melhores lugares que já conheci, se não for o melhor. A praia do Moçambique tem toda uma história com a minha vida. Passei a amar Floripa por causa das ondas dessa praia, sempre me dou bem quando estou fotografando lá. Posso dizer que o Moçamba foi minha escola pra fotografar na água. O Secret de Floripa é especial também, um lugar onde recarrego energias e que me ajuda a ter consciência da minha eterna busca, sem sombra de duvidas a onda mais animal da ilha e um bom treino para encarar trips de ondas fortes.

Tenho desejo de conhecer diversos lugares do mundo. Se for colocar no papel conheço poucos lugares. Gosto de surf de de água quente com sol e ondas tubulares - são os ingredientes perfeitos para despertar meu interesse.

Muitas ondas pela frente

24 de outubro de 2009



Não poderia deixar passar em branco o anúncio oficial da "aposentadoria" do maior surfista profissional brasileiro de todos os tempos. Cresci acompanhando as conquistas de Fábio Gouveia pelo mundo, numa época em que o surf de competição me atraia muito mais do que hoje.

Verdadeiro pioneiro, basta uma rápida visita aos arquivos da memória para constatar a importância de Fabinho para o surf brasieliro. Lembro do mundial em Porto Rico, da primeria conquista internacional no Guarujá, da primeria conquista de um brasileiro no Hawaii e tantos outros momentos marcantes, que contribuiram decisivamente para consolidar o reconhecimento e o respeito internacional aos surfistas profissionais brasileiros.



Abandonar a lycra de competição depois de mais de duas décadas de conquistas, não deve representar algo tão dramático para alguém como Fabinho. Com seu estilo único, carisma e talento dentro e fora d´água, para o futuro não é difícil imaginá-lo bem-sucedido em qualquer oura atividade ligada ao surf, seja na produção de filmes - na frente ou atrás das cameras -, atuando como garoto-propaganda, comentando campeonatos, ou assessorando a nova geração Gouveia que já compete mundo afora. Longa vida ao Fabuloso!

Foto de abertura: http://www.gogouveia.cjb.net/

Surf Sem Limites

15 de outubro de 2009



Na onda do filme do Figue e de como a paixão pelo surf é capaz de vencer todos os limites físicos e mentais, me deparei com a história do jovem Patrick Ivison e da fundação Life Rolls On da qual ele faz parte.

Pesquisando mais a fundo, fiquei feliz em descobrir diversos exemplos no Brasil sobre o poder do surf como mecanismo de cura, ou alívio momentâneo da dor - citarei apenas algumas, pois nem teria como fazer jus a todas estas iniciativas neste espaço. No caso de Patrick, um garoto tetraplégico de 15 anos, a sua participação em ações batizadas com o inspirador nome "They Will Surf Again"(Eles vão surfar novamente) serve tanto como realização pessoal, como uma eficiente estratégia de marketing para chamar atenção e arrecadar dinheiro para a sua causa, que já envolve muitos colaboradores e apoiadores na Califórnia.

Puxando pela memória, lembro de já ter visto algumas ações desta em campeonatos de surf, inclusive do WCT, com surfistas cadeirantes. Projetos como o SurfEspecial de Robson Careca (foto) e outras tantas iniciativas espalhadas pelo Brasil disseminam a necessidade de democratizar cada vez mais o acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais aos esportes de ação e toda e qualquer atividade social e de lazer.



Os relatos de deficientes visuais experimentando o surf (com a ajuda de instrutores, ao contrário do Figue) se repetem em várias partes do litoral brasileiro, sempre revelando sorrisos de pura felicidade dos praticantes e demais envolvidos. Num outro patamar, surfistas com membros amputados como Alcino Neto, o Pirata, desenvolveram uma carreira profissional, graças ao surgimento de um cenário de competições voltado especialmente para estes atletas que encontram no estímulo da superação constante dos seus limites, uma razão a mais para viver.

Neste contexto, adaptação é um palavra-chave, e que certamente requer vontade política dos governos e investimentos financeiros de empresários para que os espaços de lazer e entretenimento tenham condições de receber todo tipo de pessoa. Infelizmente, via de regra, estes projetos sobrevivem apenas com o apoio de voluntários e pequenos aportes financeiros de empresas e ongs- o que é insuficiente para o desenvolvimento de equipamentos e tecnologias que certamente facilitariam o processo de inclusão esportiva.


Pirata rasgando forte

Para finalizar estas observações, me recordo de estar esquiando em Bariloche (Argentina) há muitos anos atrás e ver um grupo de senhores e senhoras de idade curtindo a adrenalina de descerem sozinhos as montanhas de neve com esquis adaptados. Numa das subidas no teleférico até o topo da montanha tive a oportunidade de conversar com um senhor alemão que tinha perdido as duas pernas em um acidente e estava encaixado em um esqui mais largo com uma espécie de "taça de vinho"onde acoplava o seu corpo.

Com grande alegria ele me contou que o grupo viajava duas vezes por ano para passar temporadas de esqui em diversos locais do mundo - Estados Unidos, Canadá e Europa em janeiro e Chile, Argentina e Australia em julho. Logo depois pude conferir o resultado desta dedicação ao esporte quando ele se despediu com um aceno de mão e saiu controlando o seu esqui em disparada até a base da montanha.

Visão Ampliada

8 de outubro de 2009



A carreira de diretor de filmes de surf no Brasil é uma realidade ainda em construção. Poucos são os filmes que alcançam boa repercussão fora do segmento direcionado aos amantes das ondas. Uma produção universitária sobre surf conquistar o grande público era, ao que parece, um fato inédito até o lançamento do documentário “Uma Luz no Fim do Tubo”, do jornalista Antônio Zanella.

O filme registra a história de superação de Elias Diel , mais conhecido como Figue, um promissor surfista amador que teve a carreira interrompida aos 16 anos quando um terrível acidente de automóvel tirou-lhe a visão - e que, hoje, tornou-se professor de yoga e voltou a surfar com a ajuda de amigos e muita força de vontade. Ao documentar esta trajetória inspiradora, Zanella – ele mesmo vítima de deficiência visual na infância - consegue a proeza de cativar públicos de todas as idades e estratos sociais.

Mais do que qualquer aspecto técnico, como a fotografia ou as imagens de ação, que costumam ser diferenciais nas produções de surf, o filme se sustenta na força do personagem principal e seu exemplo de vida. Uma história contada de maneira simples, mas emocionante, pelo próprio Figue e por depoimentos de familiares e amigos como o surfista profissional Rodrigo Dornelles e o músico Armandinho.



Recém chegado do Festival de Cinema de Aventura e Turismo em Socorro (SP) onde conquistou prêmio de Melhor Roteiro, o jovem diretor catarinense conversou com o Surf & Cult sobre a produção do filme e toda a repercussão positiva que vem alcançando.

1 - Como surgiu a ideia de produzir o documentário "Uma Luz no Fim do Tubo"?

Eu precisava definir um tema para meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Já sabia que o formato seria vídeo, pois trabalho desde os 17 anos com filmagens e edição de surf. Procuro dizer que quando fazemos algo que realmente gostamos o produto fica 200% melhor porque o envolvimento e dedicação são maiores. E assim defini a prioridade: surf. Queria mostrar à sociedade - que sempre relacionou o surf com um esporte de maconheiro e vagabundo - exemplos de reabilitações sociais. Nasci com 4% da visão esquerda e após muitas cirurgias consegui recuperar toda a minha visão. Sofri muito na infância com brincadeiras e piadas, e a partir dali comecei a idolatrar ainda mais os deficientes visuais.

Pesquisei se havia algum surfista cego ou trabalhos que explorassem isso até que fiquei sabendo de voluntários na Praia da Atalaia que davam aulas para deficientes visuais, e marquei um horário com um dos voluntários, num domingo. No dia anterior rolou umas ondas em Balneário Camboriú e antecipei minha ida para lá. Estava rolando as famosas direitas no Maramba e quando surfávamos, meu irmão ouviu um cara instruir o Figue, ficou curioso e foi perguntar o porquê daquilo. Fiquei fascinado e a cada dia me impressionava mais com a sua história.

2 – Foi difícil convencer o Figue a aceitar contar a sua história no filme?


Depois de muita conversa, mostrando minha honestidade e meu verdadeiro objetivo, Figue topou gravar. Hoje, somos da mesma família, o pai dele me trata como filho e cada segundo junto é um empurrãozinho na vida. Fiquei imaginando um nome ideal pro filme por muito tempo. Assim como o resto do roteiro, músicas e idéias para o documentário, minhas imaginações e inspiração sempre eram surfando ou no outside esperando a série. Procurava alguma coisa que traduzisse o Figue. Acho que o título “Uma luz no fim do tubo” representa bem a proposta do filme.



3 - Fale um pouco sobre a repercussão do filme, onde foi exibido, quais os premios que conquistou e as reacões que tem recebido do público.


Cara, isso é o mais animal. Eu só queria acabar logo, apresentar e ir embora. Quando um dos integrantes da banca me deu nota 7, isso me deixou para baixo e com sentimento de dever não cumprido. Assim, meio que engavetei o projeto e só mostrava a amigos, mas via nos olhos de quem assistia uma emoção que me arrepiava e estimulava a passar a mensagem do filme adiante.

Foi então que surgiu o convite para ir a Santos representar o Figue no 5º Paratodos, em novembro de 2008. Ali recebi um carinho enorme de famosos e anônimos e iniciei a maratona: Finalista Prêmio Unimed-SC 2009 – 2º Lugar Categoria TV, Finalista da Mostra Puc Rio de Janeiro/RJ - 2009, Mostra Paralela Gramado Cine Vídeo - 2009, Mostra Paralela Festival Brasileiro Curtas Universitários - Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP - 2009 e Finalista no Festival de Cinema de Aventura e Turismo - Socorro/SP – 2009, onde, entre feras do ramo e filmes milionários, ganhei na categoria “Melhor Roteiro”.

A reação do público foi o que mais me chocou com certeza. Ver nos olhos das pessoas, receber um abraço ou um elogio não tem preço. No WCT desse ano, o Neco Padaratz me disse que adorou o filme e chorou do início ao fim. Mas o que mais me marcou foi uma senhora - aparentava uns 80 anos - em Santos. Logo que sai do palco na apresentação do filme ela me puxou no canto, chorando me abraçou e disse: "Filho, você me fez viver. Hoje ainda fui na padaria reclamando de dor no meu joelho, dos meus calos, cheguei a falar que não sairia mais de casa por causa da dor. Me fizesse enxergar que dor seria se eu desistisse de comprar meu pão assim como o Figue não desistiu de surfar".

4 - Quais foram as principais referencias que inspiraram este trabalho?


Sempre fui um fã de carteirinha do Taylor Steele, tento sempre captar alguma coisa dos seus filmes. Também me inspirei muito no Shelter, principalmente na parte do cara que surfa sem perna. Vi alguns documentários e trabalhos universitários locais com um ritmo diferente mas gosto de destacar o filme do Fabinho (Fábio Fabuloso) porque é gostoso de assistir.

Caras que sempre me inspiraram foram o Pablo Aguiar, sempre com seu estilo arrojado e inovador. No filme novo (Um novo olhar) Pablo mostrou que veio para ficar e deixar muito gringo com inveja. Gosto muito dos trabalhos e da criatividade do Mickey Bernadoni, valendo destacar também o fera Léo Felippi . O Léo da Milkie tem um portfólio invejável. Ele inventa planos, artes, sequência dando vida aos seus vídeos.


5 - Como o Figue tem reagido a todo esse sucesso e interesse despertado pelo filme?

Ele jamais esperou fazer tanto sucesso, até porque ele não gosta muito disso. O Figue - como qualquer deficiente - quer apenas viver e não gosta de ser tratado como coitadinho ou super-herói, porém, com o retorno positivo da raça e de muita gente desconhecida, ele foi aprovando a divulgação do documentário. Agora estamos vendo se conseguimos fechar com uma empresa palestras pelo Brasil, além da exibição do filme.

Lembro quando fui para Santos e o pai do Figue deu a idéia de gravarmos com os atletas paraolímpicos uma mensagem para mostrar ao Figue no hospital. Gravamos com Daniel Dias, Terezinha Guilhermina, André Brasil, e outros, todos muito emocionados e com um brilho nos olhos mandando uma mensagem para ele. Quando mostramos aquilo só o áudio foi suficiente para o Figue cair em lágrimas (nunca tinha o visto chorar) e ele falou chorando muito: "Cara eu só vivo minha vida!"

6 - O que o surf representa na sua vida? Você acha que os filmes do genero tem conseguido traduzir o espirito do surf para a tela?

Acho que não representa "na vida", representa "a vida". O espírito de paz, tranquilidade e êxito que o surf traz completa um dia, ou transforma um dia triste, estressado em um dia irado. E isso é o que o surf representa para mim. Só quem já surfou um dia com altas ondas, perfeito e - principalmente - com amigos sabe a felicidade que você vai dormir. Como disse o irmão do Figue no documentário: "O prazer do surf é tu deixar a onda para o teu melhor amigo". Estou me recuperando de uma operação no joelho e só volto a surfar em dezembro ou ano que vem e nesses 8 meses parado eu vi o quanto eu amo o surf e o quanto ele faz falta na minha vida.

Quanto aos filmes, acho que estão melhorando muito. Particularmente não sou muito fã daqueles filmes "loucos" da Lost e do gênero, mas os filmes recentes estão trazendo o verdadeiro espírito do surf o qual me refiro. O crescimento desses filmes é notório. Podemos citar os filmes do Guga Arruda, "Um novo olhar" do Pablo, as séries do Teco (Padaratz), Nalu, Bustin' Down The Door, Trilogy e Sipping Jetstream do Steele. Podem até não ser filmes perfeitos para "instigar" mas mostram algo além do esporte, vida, cultura e o espírito de um esporte lindo de praticar e que sofre um preconceito estúpido de uma sociedade com pensamento pré histórico e não disposto a abrir a cabeça.


O atleta Figue em um anúncio de revista nos anos 80


7 - Quais o seus planos pro futuro? Pretende seguir carreira na area audiovisual?

Vou te falar que andava meio indeciso e muito desanimado. Me desiludi muito com o mercado e comecei outra graduação - Direito - contra vontade própria. Sei que um curso vai agregar a outro e vice-versa mas minha paixão é o jornalismo, ainda tenho esperanças de seguir carreira como jornalista.

Nestes festivais tenho conhecido muita gente boa da área de cinema que me botaram para cima, elogiando o documentário e me guiando para outros caminhos os quais não fazia idéia. Estou pesquisando sobre as leis de incentivo porque tenho em mente fazer outros documentários sobre surfistas deficientes e pretendo ainda escrever um livro mais abrangente sobre o Figue.
Abandonar a área audiovisual, jamais! Não tem preço você apertar play num filme seu com a sala lotada e ver o sorriso e a emoção nos olhos da galera. É o meu combustível diário para não desistir de um ramo abandonado por empresas e autoridades.

PS: Enquanto esta matéria estava sendo produzida, Figue curtia uma temporada de altas ondas no Peru...

Liberdade Comprometida

6 de outubro de 2009



Leio na Surfer`s Path a notícia de que o “eco-free-surfer profisisonal” David Rastovich, ou simplesmente “Rasta”, acaba de partir em mais uma aventura de alto potencial midiático, batizada de Transparent Sea Voyage.

A odisséia remando 700km a bordo de um caiaque individual, partindo do farol de Byron Bay - o ponto mais oriental da Austrália - até Bondai Beach na cidade de Sydney, seguindo a rota migratória das baleias, traz como mote despertar a consciência das pessoas para a necessidade de proteger estas baleias e toda a vida marinha – Rasta é um dos fundadores do Surfer`s for Cetaceans.

Acompanhado de uma equipe de filmagem e com cobertura diária no site do projeto, o surfista australiano cumpre com perfeição o papel de cidadão consciente e defensor da natureza, o que lhe rende bons patrocínios e visibilidade dentro e fora do mundo do surf. A jornada pela maravilhosa costa leste australiana deve durar até o dia 07 de novembro e contará com vários participantes ilustres ao longo do caminho, conquistando ainda mais espaço na mídia para o nobre motivo da travessia.



Ninguém discute o talento de Rasta dentro d`água, como um surfista cheio de estilo e habilidade. Parece-me também que ele possui uma motivação sincera e sem dúvidas é uma pessoa engajada nas causas que defende. Contudo, este tipo de aventura me suscita alguns questionamentos sobre a estranha união entre free-surf e profissionalismo. Em princípio, me parece que um termo anula o outro, já que a partir do momento que você está sendo pago para surfar, você deixa de ser um free-surfer.

Entendo o argumento de que ao usarmos o termo free-surfer profissional estamos tratando de atletas que, por contrato, não são obrigados a competir e sim, apenas participar de eventos promocionais e o melhor de tudo: viajar para picos paradisíacos do mundo para serem filmados e fotografados para as campanhas publicitárias de seus patrocinadores. Assim, free-surfers como Rasta são, em uma análise simplificada, pagos para curtir a vida. Uma equação que se sustenta no fato destes esportistas proporcionarem a seus patrocinadores o, as vezes intangível, retorno de imagem com suas performances.



Este paradigma entre free-surf X surf profissional foi muito bem registrado no filme Blue Horizon do renomado cineasta de surfe Jack McCoy, que traça um paralelo entre a vida cool de David Rastovich e o universo competitivo do tricampeão mundial Andy Irons.

Tirando a beleza fotográfica desta produção da Billabong, patrocinadora dos dois atletas, existe um aspecto que passou batido pela mídia especializada, mas me chamou bastante atenção: a abordagem um tanto radical que colocou Rasta e Irons como antagonistas, o primeiro retratado como um herói e o segundo como o vilão de um roteiro forçado.

Pergunto-me até hoje o que teria levado a gigante australiana do surfwear a deliberadamente arranhar a imagem de seu principal competidor e garoto-propaganda, retratando-o como um surfista agressivo e sem feeling, focado somente na grana que poderia ganhar em cada campeonato?

Sem querer entrar no mérito desta representação ser 100% verdadeira ou não, olhando para trás, não teria sido este um dos motivos para a crise existencial que se abateu sobre Andy poucos anos depois? Afinal de contas, o fato é que o capitalista e frio surfista de competição de repente viu-se desiludido e desmotivado com o circo da ASP e decidiu simplesmente abandonar o barco no meio da temporada.

Quanto ao Rasta, ele só se beneficiou da abordagem exposta no filme, alcançando uma legião de fãs, atraídos por sua cada vez mais cultuada imagem de surfista de alma. Atualmente, muitos outros free-surfers buscam alcançar este status, e parecem querer de alguma maneira justificar a boa vida que levam, que é poder viver de um esporte saudável como o surf, repleto de paisagens exuberantes e contatos com novas culturas.

Nada contra o free-surfer querer encontrar um sentido a mais para a sua vida do que apenas viajar ao sabor de vento e cumprir a rotina de viagens e ensaios fotográficos “impostas” pelos patrocinadores. O problema, a meu ver, é quando esse propósito de vida se embasa em um nacionalismo rasteiro.

Prefiro não citar nomes, mas me causa um certo incomodo ver alguns big riders aparecerem na mídia dizendo que estão “levantando a bandeira do Brasil” em suas aventuras pelo mundo, ao arriscarem as suas vida atrás de ondas gigantes. No meu ponto de vista, mais honesto seria dizer: “tenho a sorte de correr o mundo atrás das maiores ondas e faço isso em busca da realização pessoal, viabilizado pelo retorno que posso dar aos meus patrocinadores”.

Ou, se querem mesmo achar um sentido maior para suas existências, que procurem se engajar de corpo e alma em algum trabalho social/assistencial paralelo que complete o vazio de praticar uma atividade onde o benefício direto é essencialmente individual.



Aventureiros profissionais como Amyr Klink fizeram fama realizando feitos notáveis e colocando-se em situações bastante arriscadas, sem apelar para o tal “amor a pátria”. Na esteira deste exemplo, alguns sortudos como os windsurfistas Diogo Guerreiro e Flávio Jardim (foto) curtem hoje o sonho de dar a volta ao mundo a bordo de um confortável veleiro, num projeto patrocinado pela Mormaii e batizado de Destino Azul.

A contrapartida de um projeto como este traz o roteiro de sempre: a produção de filmes, livros, palestras e outras ações de divulgação, associando a marca do patrocinador à aventura, emoção, superação e consciência ambiental. Uma fórmula manjada, mas que ainda parece funcionar. Vale também ressaltar que os dois aventureiros conquistaram esta saborosa recompensa depois de cruzarem o litoral brasileiro em uma arriscada e extenuante travessia marítima, munidos apenas de suas pranchas.

E, afinal de contas, será que é preciso mesmo justificar o desejo de ser livre? Ou podemos simplesmente curtir a vida sem maiores compromissos? No mundo politicamente correto de hoje as respostas nunca soam espontâneas.

A terra treme e as ondas quebram

2 de outubro de 2009



Quando recebi por email as fotos do meu primo e grande surfista Danilo Delpizzo registrando a sua primeira surf-trip para Bali, ele já mencionava o terremoto de média intensidade que havia atingido um dos destinos turísticos mais famosos do mundo, mas que não chegou a provocar uma grande tragédia.



Menos de duas semanas depois a terra voltou a temer, com intensidade ainda maior na região, atingindo principalmente a ilha de Sumatra, deixando o seu inevitável rastro de mortes, dor e destruição. Analisando friamente, é fácil perceber que infelizmente muitos destinos tradicionais de surf como Indonésia, Califórnia e Chile estão situados em "falhas geológicas" com grande ocorrência de abalos sísmicos - seria o preço a pagar para poder surfar as melhores ondas do planeta?


Surfer`s Path

Pessoalmente, ainda criança vivi de perto o violento terremoto de março de 1985 em Santiago (Chile) e posso afirmar que é uma experiência assustadora e inesquecível para qualquer pesssoa que tenha passado por algo semelhante.



Sentir a vibração destuidora da terra, misturada ao som seco e ensurdecedor que emana das profundezas do planeta, é entrar em contato direto com as forças mais poderosas da natureza - talvez até superiores do que ser varrido por uma massa d`água de 50 pés em Jaws (se é que é possível comparar uma coisa com a outra).



A nós surfistas, resta estarmos atentos e preparados para o pior quando planejamos uma surf trip para um destes locais paradisíacos - o fato é que ninguém pode prever ao certo quando a natureza irá se manifestar desta maneira. Quanto ao meu primo, dias depois de me enviar estas imagens ele já estava na Tailândia e, portanto, poderá trazer na memória somente as boas lembranças de algumas esquerdas de sonho em Uluwatu.

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