8 de outubro de 2009
A carreira de diretor de filmes de surf no Brasil é uma realidade ainda em construção. Poucos são os filmes que alcançam boa repercussão fora do segmento direcionado aos amantes das ondas. Uma produção universitária sobre surf conquistar o grande público era, ao que parece, um fato inédito até o lançamento do documentário “Uma Luz no Fim do Tubo”, do jornalista Antônio Zanella.
O filme registra a história de superação de Elias Diel , mais conhecido como Figue, um promissor surfista amador que teve a carreira interrompida aos 16 anos quando um terrível acidente de automóvel tirou-lhe a visão - e que, hoje, tornou-se professor de yoga e voltou a surfar com a ajuda de amigos e muita força de vontade. Ao documentar esta trajetória inspiradora, Zanella – ele mesmo vítima de deficiência visual na infância - consegue a proeza de cativar públicos de todas as idades e estratos sociais.
Mais do que qualquer aspecto técnico, como a fotografia ou as imagens de ação, que costumam ser diferenciais nas produções de surf, o filme se sustenta na força do personagem principal e seu exemplo de vida. Uma história contada de maneira simples, mas emocionante, pelo próprio Figue e por depoimentos de familiares e amigos como o surfista profissional Rodrigo Dornelles e o músico Armandinho.
Recém chegado do Festival de Cinema de Aventura e Turismo em Socorro (SP) onde conquistou prêmio de Melhor Roteiro, o jovem diretor catarinense conversou com o Surf & Cult sobre a produção do filme e toda a repercussão positiva que vem alcançando.
1 - Como surgiu a ideia de produzir o documentário "Uma Luz no Fim do Tubo"?
Eu precisava definir um tema para meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Já sabia que o formato seria vídeo, pois trabalho desde os 17 anos com filmagens e edição de surf. Procuro dizer que quando fazemos algo que realmente gostamos o produto fica 200% melhor porque o envolvimento e dedicação são maiores. E assim defini a prioridade: surf. Queria mostrar à sociedade - que sempre relacionou o surf com um esporte de maconheiro e vagabundo - exemplos de reabilitações sociais. Nasci com 4% da visão esquerda e após muitas cirurgias consegui recuperar toda a minha visão. Sofri muito na infância com brincadeiras e piadas, e a partir dali comecei a idolatrar ainda mais os deficientes visuais.
Pesquisei se havia algum surfista cego ou trabalhos que explorassem isso até que fiquei sabendo de voluntários na Praia da Atalaia que davam aulas para deficientes visuais, e marquei um horário com um dos voluntários, num domingo. No dia anterior rolou umas ondas em Balneário Camboriú e antecipei minha ida para lá. Estava rolando as famosas direitas no Maramba e quando surfávamos, meu irmão ouviu um cara instruir o Figue, ficou curioso e foi perguntar o porquê daquilo. Fiquei fascinado e a cada dia me impressionava mais com a sua história.
2 – Foi difícil convencer o Figue a aceitar contar a sua história no filme?
Depois de muita conversa, mostrando minha honestidade e meu verdadeiro objetivo, Figue topou gravar. Hoje, somos da mesma família, o pai dele me trata como filho e cada segundo junto é um empurrãozinho na vida. Fiquei imaginando um nome ideal pro filme por muito tempo. Assim como o resto do roteiro, músicas e idéias para o documentário, minhas imaginações e inspiração sempre eram surfando ou no outside esperando a série. Procurava alguma coisa que traduzisse o Figue. Acho que o título “Uma luz no fim do tubo” representa bem a proposta do filme.
3 - Fale um pouco sobre a repercussão do filme, onde foi exibido, quais os premios que conquistou e as reacões que tem recebido do público.
Cara, isso é o mais animal. Eu só queria acabar logo, apresentar e ir embora. Quando um dos integrantes da banca me deu nota 7, isso me deixou para baixo e com sentimento de dever não cumprido. Assim, meio que engavetei o projeto e só mostrava a amigos, mas via nos olhos de quem assistia uma emoção que me arrepiava e estimulava a passar a mensagem do filme adiante.
Foi então que surgiu o convite para ir a Santos representar o Figue no 5º Paratodos, em novembro de 2008. Ali recebi um carinho enorme de famosos e anônimos e iniciei a maratona: Finalista Prêmio Unimed-SC 2009 – 2º Lugar Categoria TV, Finalista da Mostra Puc Rio de Janeiro/RJ - 2009, Mostra Paralela Gramado Cine Vídeo - 2009, Mostra Paralela Festival Brasileiro Curtas Universitários - Rio de Janeiro/RJ e São Paulo/SP - 2009 e Finalista no Festival de Cinema de Aventura e Turismo - Socorro/SP – 2009, onde, entre feras do ramo e filmes milionários, ganhei na categoria “Melhor Roteiro”.
A reação do público foi o que mais me chocou com certeza. Ver nos olhos das pessoas, receber um abraço ou um elogio não tem preço. No WCT desse ano, o Neco Padaratz me disse que adorou o filme e chorou do início ao fim. Mas o que mais me marcou foi uma senhora - aparentava uns 80 anos - em Santos. Logo que sai do palco na apresentação do filme ela me puxou no canto, chorando me abraçou e disse: "Filho, você me fez viver. Hoje ainda fui na padaria reclamando de dor no meu joelho, dos meus calos, cheguei a falar que não sairia mais de casa por causa da dor. Me fizesse enxergar que dor seria se eu desistisse de comprar meu pão assim como o Figue não desistiu de surfar".
4 - Quais foram as principais referencias que inspiraram este trabalho?
Sempre fui um fã de carteirinha do Taylor Steele, tento sempre captar alguma coisa dos seus filmes. Também me inspirei muito no Shelter, principalmente na parte do cara que surfa sem perna. Vi alguns documentários e trabalhos universitários locais com um ritmo diferente mas gosto de destacar o filme do Fabinho (Fábio Fabuloso) porque é gostoso de assistir.
Caras que sempre me inspiraram foram o Pablo Aguiar, sempre com seu estilo arrojado e inovador. No filme novo (Um novo olhar) Pablo mostrou que veio para ficar e deixar muito gringo com inveja. Gosto muito dos trabalhos e da criatividade do Mickey Bernadoni, valendo destacar também o fera Léo Felippi . O Léo da Milkie tem um portfólio invejável. Ele inventa planos, artes, sequência dando vida aos seus vídeos.
5 - Como o Figue tem reagido a todo esse sucesso e interesse despertado pelo filme?
Ele jamais esperou fazer tanto sucesso, até porque ele não gosta muito disso. O Figue - como qualquer deficiente - quer apenas viver e não gosta de ser tratado como coitadinho ou super-herói, porém, com o retorno positivo da raça e de muita gente desconhecida, ele foi aprovando a divulgação do documentário. Agora estamos vendo se conseguimos fechar com uma empresa palestras pelo Brasil, além da exibição do filme.
Lembro quando fui para Santos e o pai do Figue deu a idéia de gravarmos com os atletas paraolímpicos uma mensagem para mostrar ao Figue no hospital. Gravamos com Daniel Dias, Terezinha Guilhermina, André Brasil, e outros, todos muito emocionados e com um brilho nos olhos mandando uma mensagem para ele. Quando mostramos aquilo só o áudio foi suficiente para o Figue cair em lágrimas (nunca tinha o visto chorar) e ele falou chorando muito: "Cara eu só vivo minha vida!"
6 - O que o surf representa na sua vida? Você acha que os filmes do genero tem conseguido traduzir o espirito do surf para a tela?
Acho que não representa "na vida", representa "a vida". O espírito de paz, tranquilidade e êxito que o surf traz completa um dia, ou transforma um dia triste, estressado em um dia irado. E isso é o que o surf representa para mim. Só quem já surfou um dia com altas ondas, perfeito e - principalmente - com amigos sabe a felicidade que você vai dormir. Como disse o irmão do Figue no documentário: "O prazer do surf é tu deixar a onda para o teu melhor amigo". Estou me recuperando de uma operação no joelho e só volto a surfar em dezembro ou ano que vem e nesses 8 meses parado eu vi o quanto eu amo o surf e o quanto ele faz falta na minha vida.
Quanto aos filmes, acho que estão melhorando muito. Particularmente não sou muito fã daqueles filmes "loucos" da Lost e do gênero, mas os filmes recentes estão trazendo o verdadeiro espírito do surf o qual me refiro. O crescimento desses filmes é notório. Podemos citar os filmes do Guga Arruda, "Um novo olhar" do Pablo, as séries do Teco (Padaratz), Nalu, Bustin' Down The Door, Trilogy e Sipping Jetstream do Steele. Podem até não ser filmes perfeitos para "instigar" mas mostram algo além do esporte, vida, cultura e o espírito de um esporte lindo de praticar e que sofre um preconceito estúpido de uma sociedade com pensamento pré histórico e não disposto a abrir a cabeça.
O atleta Figue em um anúncio de revista nos anos 80
7 - Quais o seus planos pro futuro? Pretende seguir carreira na area audiovisual?
Vou te falar que andava meio indeciso e muito desanimado. Me desiludi muito com o mercado e comecei outra graduação - Direito - contra vontade própria. Sei que um curso vai agregar a outro e vice-versa mas minha paixão é o jornalismo, ainda tenho esperanças de seguir carreira como jornalista.
Nestes festivais tenho conhecido muita gente boa da área de cinema que me botaram para cima, elogiando o documentário e me guiando para outros caminhos os quais não fazia idéia. Estou pesquisando sobre as leis de incentivo porque tenho em mente fazer outros documentários sobre surfistas deficientes e pretendo ainda escrever um livro mais abrangente sobre o Figue.
Abandonar a área audiovisual, jamais! Não tem preço você apertar play num filme seu com a sala lotada e ver o sorriso e a emoção nos olhos da galera. É o meu combustível diário para não desistir de um ramo abandonado por empresas e autoridades.
PS: Enquanto esta matéria estava sendo produzida, Figue curtia uma temporada de altas ondas no Peru...
4 comentários:
É isso aí Luciano, deu o que falar o documentário do Antonio Zanella sobre o Figue. Inclusive ele chegou hj do Peru e deve ter várias histórias das sessões de surf no Norte peruano para contar. Parabéns pelo post...como sempre bem escrito.
Abraço
O documentário "Uma luz no fim do tubo" de Antônio Zanella é impressionante assim como a história do Figue, parabéns pelo espaço ao audiovisual independente e pela matéria, L.
excelente texto... agora fiquei instigado para ver, até pq também sou meio metido em fazer meus vídeos amadores.
abraço,
Que exemplo de vida e da energia do surf!
Grande iniciativa em produzir o vídeo e mostrar todo o poder que temos para superar as dificuldades! Exemplo do Figue!
Bela postagem, Luciano!
GRANDE ALOHA!
Fabio Perroni http://surfbox.revistaparafina.com.br/
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