Um Rio de Ideias

2 de setembro de 2010



Se entre idas e vindas uma pessoa viver em um determinado local por mais de 20 anos - e se neste período estiverem incluídos os definidores anos de transição entre a adolescência e a idade adulta - o local inevitavelmente guardará sentimentos intensos de familiaridade quando visitado novamente nos anos seguintes. Voltar a Ipanema representa isto para mim.

Já é fácil para qualquer pessoa sentir-se a vontade circulando por suas ruas democráticas, movimentadas por uma incrível fauna de figuras coloridas, que, com suas bicicletas, cachorros, carros e outros apetrechos, interagem de forma pulsante pelas esquinas sempre meio sujas, mas cheias de vida. Para mim, a cada olhar, uma lembrança. Afinal de contas, mesmo perdido em uma multidão um homem com memória e referências nunca estará completamente só.



São vibrações de certa forma acolhedoras, pelo menos para quem já não imagina experimentar algum passeio bucólico em uma grande concentração urbana como esta. Seja como for, o sujeito há de ser esmagado pela beleza cênica inconstestável (e “inestragável!”) da orla carioca, com o seu desenho único de mar e montanhas, principalmente no inverno, quando o calor extremo não derrete o cérebro.

Poderia apelar ainda mais para a emoção e ficar me estendendo sobre o que se sente ao levar um filho para mergulhar no mar e brincar na areia, com a mesma idade e local onde três décadas antes você era derrubado pelas primeiras ondas. O grande aprendizado sobre a força do oceano, na rasa e por vezes inexistente bancada surfável de Ipanema, o biscoito Globo na areia e o som dos vendedores ambulantes de toda sorte que por ali circulam... Mas não vou fazer isso em respeito ao colega Júlio Adler que não curte muito esse lance de ficar publicando relatos saudosistas sobre os bons tempos.



Talvez essa nostalgia tenha se acentuado quando revirei umas caixas antigas no apartamento de minha mãe e encontrei uma relíquia do mundo da fotografia que pertenceu ao meu pai nos anos 60: uma câmera fotográfica japonesa Yashica Flash O` Set, com sua capa acoplada de couro e sólidos botões analógicos que permitem acreditar em sua volta a ativa como um belo equipamento para exercitar o estilo low-fi.

Seja como for, o saudosismo estava mesmo por toda parte, como na tarde em que me desloquei ao feroz trânsito de Botafogo para acompanhar o fechamento das duas matérias que produzi para a terceira edição da Revista Soul Surf, publicação do amigo Fabiano Niederauer, que está saindo do forno nos próximos dias.


Fabiano e Beto

Na redação, tive o prazer de trocar uma ideia pessoalmente o experiente editor e fotógrafo Beto Paes Leme que me mostrou o restante do conteúdo editorial da revista. Fiquei feliz em constatar o “feeling” alcançado nas muitas pautas focadas no resgate da história do surf no Rio de Janeiro - em especial, uma matéria onde o grande Tito Rosemberg relembra os chamados “anos dourados” do surf no Arpoador, com relatos e fotos incríveis de seu acervo em que registra a explosão do surf carioca nos anos 50. E ali fiquei um tempão com Beto, absorvendo histórias sobre fotografia de surf desde os tempos analógicos até as modernas GoPro.

Compartilhar ideias e experiências com pessoas interessantes pode mesmo ser uma boa descrição do que atrai alguém para o jornalismo. À pretexto da "obrigação" de ter que ir a campo para produzir conteúdo você ganha a chance de interagir sobre assuntos que te movem de maneira positiva - obviamente, desde que o autor da pauta seja você.



Um outro bom exemplo disso foi a segunda missão jornalística de minha ida ao Rio: produzir uma matéria reunindo os responsáveis pelos principais filmes de surf já realizados no Brasil. Uma iniciativa que me levou a conhecer melhor os inteligentes e bem-humorados protagonistas desta história e entender melhor este universo.

Encontro com Julio Adler no canto direito de Ipanema para tomar um chope em seu boteco local. A matéria sobre filmes de surf teria que começar por ele. Para quem não o conhece, um breve resumo explicativo: depois de largar o surf profissional ele produziu e editou a série "Cambito" que replicou por aqui a revolução dos videos de surf em VHS no início dos anos 90 - leia-se Taylor Steele - e desde então participou de quase todas as produções relevantes que poderiamos listar até aqui.

Fala mansa, humor cortante e muita generosidade para falar sobre qualquer assunto e tentar agenciar um encontro dentro da agenda atribulada de uma lista que incluía Rafael Mellin e Marcelus Viana do Grupo Sal e Pepê Cezar, diretor de filmes como o poético "Trocando As Bordas" e o clássico "Fábio Fabuloso" - um dos melhores filmes já produzidos em todos os tempos e genêros. "Tem também o Gustavo Bomba que é uma figura chave, mas esse tá morando na Australia", lembrou Júlio, fechando a lista do quarteto que participou ativamente com ele destas experiências audiovisuais.


Garoto esperto, Daniel Adler dá o recado: "Meu Pai surfa J Bay melhor do que o seu"!


No fim das contas, o grande encontro geral não se materializou, mas consegui conversar com todas estas figuras que trafegam pela Zona Sul do Rio e vivem em uma estimulante sintonia criativa. Isso porque o Júlio, que foi quem botou mais pilha no início, acabou furando no dia marcado por conta de uma viagem de resgate da história do surf pelas bandas de São Paulo – não sem antes abrir a sua casa para me mostrar a sua rica coleção de livros e filmes de surf, além de seu extenso e eclético acervo musical.

Mas como eu já disse o Julio diz que não curte muito essa de ficar só falando sobre o passado e no dia seguinte já aparecia na internet dando pitaco sobre o WT em Teahupoo e as atualidades do surf com o Marcos Sifu e o Marcelo Trekinho no podcast "As Séries Fecham" – um formato de programa sobre surf via internet muito promissor, pela leveza e dinamismo que proporciona.


Mellin e Marcelus apontam para o trio Pepê, Bomba e Adler

Dias mais tarde, na casa do Grupo Sal na Estrada do Joá em São Conrado sentei-me a mesa com Marcelus Viana e Rafael Mellin, os bem-sucedidos profissionais que comandam a produção de conteúdo multimídia - divididos entre a Mar Design, Mellin Videos e Brabo (animação) - para diversos clientes corporativos. Um negócio que surgiu como consequencia natural da amizade e parceria das primeiras aventuras conjuntas com produção audiovisual, impulsionados pelo desejo de fazer filmes de surf por puro prazer.

Marcelus ainda se recuperava de noites em claro montando e pintando caixas de papelão na via crucis de assumir a cenografia de um grande evento musical. Ainda assim, o interesse genuíno pelo assunto o manteve animado, nas lembranças de uma época de muita diversão e aprendizado - como a turnê de divulgação do filme Cambito 3 - cultivada diretamente no amor ao surf e à arte. Uma conexão mantida a base de algumas surf trips e ondas surfadas regularmente nos tubos triângulares de São Conrado.

Revisando com Mellin um pouco da sua trajetória ao longo da última década, foi muito interessante ver que o meu colega de curso de jornalismo na PUC - que na época já editava uns videos caseiros para um quadro aberto ao público no programa Zona de Impacto do Sportv - é hoje um respeitado diretor dos mais variados tipos de conteúdo audiovisual. No surf, suas mais recentes produções incluem o filme "Pasti" da Hang Loose e o reality show "Nalu Pelo Mundo" no canal Multishow.



Por fim, sigo com Marcelus ao encontro de Pepê Cezar para umas cervejas e sushis num boteco japa na Gávea ao lado de sua produtora. Escritor, poeta, diretor e boa praça - não necessariamente nessa ordem - suas lembranças e relatos unem diversão e informação (como todo bom papo!) e fazem o tempo passar rápido. Na derradeira esticada ao BG "só pra dizer que fui!" chega a hora de pedir a conta e voltar para casa, certamente com boas histórias para contar e uma matéria para produzir.

5 comentários:

Marilia disse...

Sensacional essa busca!
Você realmente teve contato com os caras mais feras quando se trata de produção e opinião de surf!
Muito legal Luciano, aguardo curiosa as matérias!
Abraços

Lucas disse...

Achei que faltou contato com o Gustavo Camarão e principalmente com Thiago Garcia que atualmente está sendo destaque até no exterior com o Wake UP 2. Mas tá valendo...

Bruno disse...

Não tem como falar de surf e não ser nostálgico - o Adler que me perdoe. O surf é feito de histórias e lendas do passado as quais criam um pouco dessa atmosfera que o surf tem hoje em dia. Eu adoro lembrar os tempos de infância e adolescência quando ia surfar com os amigos depois do colégio, quando meu pai ia comigo aos 10 anos de idade me incentivar.
Hoje em dia o surf tá em outra "pegada" e, claro, está sendo a época de ouro de muito gromet o qual daqui uns dez ou quinze anos estará contando o presente com nostalgia.
Esse post me fez voltar ao passado e lembrar com carinho de minha história que sempre teve e tem o surf muito presente. Obrigado por estas sensações Luciano. Parabéns!

Rodrigo Osborne disse...

Parabéns por juntar as melhores cabeças do ramo... Muito Bom!!!
Forte abraço,
R.O

Anônimo disse...

A brincadeira tá ficando séria. Será?
Abração e sucesso nessa empreitada.
Fico daqui na torcida.
Abração
MB

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