Eterna Liberdade

6 de maio de 2011




Um fenômeno não tão recente, mas certamente muito positivo, é a inserção do surf como recurso terapêutico para aplacar as mazelas fisicas e mentais geradas pela vida moderna. A explosão das escolinhas de surf pelo litoral brasileiro, onde muitas vezes os alunos das mais variadas idades ingressam na atividade por recomendação médica, nada mais faz do que revelar aos leigos o que todo surfista de verdade aprende rapidamente: não há nada que um dia de surf não cure! – um ditado que acabou virando adesivo de automóvel.



E já que entrei no perigoso terreno das frases de efeito, que tal esta: Uma vez surfista, sempre surfista!. Imperfeita como toda generalização, esta frase remete à intensidade proporcionada pela experiência de surfar, que atravessa gerações e estabelece um vínculo entre pessoas de todas as idade e procedências. E assim, a prática do surf se afirma como um poderoso meio de integração social e prolonga a vida sem aposentadoria de muitos aficcionados pelas ondas mundo afora.

Esta longevidade saudável proporcionada pelo surf aos seus praticantes saltou-me aos olhos durante a produção do meu video-documentário Pegadas Salgadas. Nas entrevistas com personagens que construiram suas vidas em Florianópolis a partir do surf tive o privilégio de conhecer respeitáveis senhores com idades acima dos 50 anos (muitos se aproximando dos 60), que exibiam físico e disposição invejáveis e uma serenidade vital daqueles que sabem ter encontrado uma fonte de prazer eterno. Uma atividade que lhes dará sentido aos dias que estão por vir, colocando tudo sempre em perspectiva.



Poderia enumerar alguns destes personagens para exemplificar a minha afirmativa, mas basta citar a figura do carioca Fernando “Marreco“ Moniz, um dos pioneiros dos surf em Floripa e que hoje, aos 59 anos, vive na Serra Catarinense onde voa de asa-delta, surfa nas águas de um rio e ainda arrisca um snowboard quando a neve cai na região mais fria do Brasil. Sua disposição e sorriso guardam a mesma intensidade de quando era garoto e é por isso mesmo que ele afirma se relacionar muito mais com gente na faixa dos 20 e 30 anos, do que com os camaradas da sua idade, que não são do meio do surf.

Já o atual promotor da etapa brasileira do WT, Xandi Fontes cita com alegria a solidez da amizade construída com seus primeiros colegas de surf nos anos 70 em Floripa, e de como todos ainda hoje voltam a ser crianças quando organizam suas barcas de fim de semana para curtirem juntos as ondas. Poderia ainda me estender a falar de tantos outros legends, que não tive o prazer de conhecer pessoalmente e que obtiveram grande reconhecimento, como Rico de Souza e Ricardo Bocão, para reforçar a perenidade da paixão pelo surf, mas certamente a lista seria injusta e interminável, com tantos surfistas anônimos que também encontram no surf o seu tesouro particular.



Mais adiante, vemos que, além de podermos encontrar nos lineups brasileiros surfistas ativos com mais de 30 anos de surf nas costas, também assistimos à chegada de uma primeira geração de surfistas profissionais, cujos pais também foram surfistas profissionais, sem contra nas tantas outras familias de freesurfers que tem o seu lazer diretamente ligado ao surf – como o pai que leva o filho pra jogar pelada no domingo de manhã, para não deixar passar a velha comparação com o futebol. Seja qual for o caso, fica difícil apontar possíveis aspectos negativos em torno desse envolvimento com o surf.

Alguns podem lembrar de uma de minhas recentes colunas para a Parafina onde questionei a tese do surf como “um vício saudável”e se isso seria realmente possível, haja vista que todo excesso pode levar à sarturação e gerar efeitos colaterais negativos – talvez o desgaste da pele depois de tantos anos de sol (nas antigas não haviam ainda inventado o protetor solar!). Certamente devemos analisar cada caso individualmente, pois o surf sempre afetará de maneira subjetiva a vida de cada praticante, mas o que gostaria de registrar aqui é minha satisfação em perceber o elo de vitalidade que emanou de todas os surfistas cinquentenários que conheci.



E assim, se me perguntarem o por quê da paixão pelo surf ser eterna, respondo que o ato de deslizar sobre as ondas nos faz livres, e que o amor pela liberdade não envelhece.

Coluna publicada na edição 36 da revista Parafina. imagens: Fernando Moniz em ação na praia do Campeche, abril de 2011 - divulgação do filme Pegadas Salgadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails