Frases de Efeito

8 de agosto de 2011



De tão repetidas através dos tempos, algumas ideias alcançam o status de “lugar comum” e passam a pipocar quase que como que um mantra em determinadas rodas sociais. No caso do surf não é diferente e, infelizmente, muitas destas afirmativas se provam pouco embasadas, quando não mentirosas, numa análise mais aprofundada, ainda que sejam corroboradas por uma poderosa unanimidade.

Vejamos alguns exemplos: muito se fala de que as marcas não apoiam como deveriam os atletas que, em última instância, são as estrelas do esporte e com sua imagem ajudam a vender toda sorte de acessórios ligados ao surf. Por outro lado, para muitos o surf de competição é na verdade a antítese da essência do surf, que passa a ser categorizado como arte, religião e principalmente “um estilo de vida”.

Seja na visão do purista ou na do cético capitalista representados nestas ideias que acabei de apresentar, a chamada indústria do surf está no centro dessa chuva de frases feitas e quase sempre relacionada como maléfica para os verdadeiros amantes das ondas. Não pretendo aqui fazer apologia de um ou de outro lado em muito menos defender a famigerada “indústria do surf” ou ainda criar novas frases feitas e definitvas sobre algum tema.



O que me motiva aqui é promover uma reflexão sobre como somos sistematicamente condicionados a repercutir e repassar ideias prontas e generalistas, propagadas como verdades absolutas em julgamentos coletivos, sem muitas vezes nos atentarmos para a importância de analisar se o seu conteúdo de fato se aplica realmente àquela determinada situação.

Resolvi escrever sobre isto pois ultimamente tenho passado horas demais navegando na internet e muitas vezes me vejo saturado e encarcerado dentro do mundo virtual de frases de efeito e lugares comuns, em especial nas redes sociais como o Facebook e o Twitter, que nos bombardeiam com mensagens curtas e muitas, mas muitas frases feitas repetidas à exaustão e sem o menor critério.

É muito comum escutar que “as grandes marcas exploram o surf sem dar nada em troca”. OK, entendo o argumento, mas se o departamento de marketing de uma empresa percebe que produzir um anúncio para uma revista dá mais retorno de imagem do que patrocinar um atleta ou um campeonato, infelizmente ela está no seu direito de optar pela primeira opção. Alguém discorda? Da mesma forma, uma marca que não vende produtos relacionados ao surf tem todo o direito de utilizar a imagem do esporte se assim o quiser. Ou não?



Ainda dentro desta falta de parâmetros, lanço a pergunta: Existe algum contrasenso no momento em que figuras como Fred D`Orey, que construiu a sua vida profissional através do surf e hoje tem uma marca de sucesso no ramo da moda, decide que não pretende apoiar nenhum evento e atleta ligado ao surf, pois não pretende contribuir para que o surf se torne mais popular e promova ainda mais crowd nos lineups mundo afora? Em recente entrevista, sua justificativa para este questionamento foi a de que, assim como ele, muitos surfistas estão se lixando para o WT e demais cenário competitivo do surf como esporte.

Outra pergunta: Existe preservação da tal “essência do surf” quando as três grandes marcas que dominam sozinhas os maiores eventos do surf mundial lutam para impedir que empresas fora do ramos banquem eventos similares e com premiações muito maiores para os atletas? A entrada destas empresas “de fora” com suas verbas de marketing seria realmente prejudicial ao surf como esporte ou não? Como em todo tema controverso, depende do ponto de vista.



Cito estes dois exemplos, de certa forma antagônicos, para mostrar que o tema da “mercantilização” do surf é muito mais complexo do que nos fazem crer as respostas prontas que repetem a mesma ladainha da preservação da “essência do surf” à exaustão. O problema maior é quando estas verdades absolutas tratam de temas importantes e barram o aprofundamento e a conseuqente busca por soluções.

Voltemos ao jovem atleta que reclama da falta de patrocínio. Será que ele já parou pra pensar em quantos surfistas aspirantes a profissionais existem no país e qual a proporção de marcas para apoiá-los? O que ele faz para dar “visibilidade” à marca do seu patrocinador? Não estaria ele próprio estreitando demais as possibilidades focando semente em resultados de campeonatos, com pouco público na praia e divulgação apenas em notas de rodapés em uma revista?

Não estaria ele afugentando a possibilidade de um bom patrocínio ao não procurar se inteirar das demais formas de conseguir ser notado e valorizado? Será que ele se aprofundou nesta reflexão ou simplesmente preferiu aceitar passivamente a justificativa que ouviu por aí, e que caiu como uma luva para explicar a sua situação.



Falando nessas formas de visibilidade, dia desses li a declaração de um fotógrafo de surf comentndo que era muito difícil viver desta profissão no Brasil, pois a mídia especializada era muito restrita por aqui. Certamente não foi a primeira nem a segunda vez que ouvi o mesmo discurso. Mas pera lá! Se compararmos a mídia de surf com a de outros esportes, vamos constatar que isto não faz lá muito sentido. Afinal, basta uma rápida ida às bancas e contar quantas revistas especializadas existem de tenis, futebol ou vôlei em comparação às publicações de surf.

O fato é que, a exceção da televisão aberta, com certeza o surf é um dos esportes com maior número de veículos especializados, seja em mídia impressa ou internet – e mesmo nas redes a cabo existe até um canal que transmite surf quase que 24 horas por dia. Mais uma vez, a frase feita propagou uma ideia que estreitou a visão sobre o tema não levando em conta o contexto mais amplo onde a mídia de surf está inserida.

No cenário competitivo as inevitáveis frases feitas normatizam os depoimentos polidos e respeitosos entre os atletas em suas entrevistas mais do que previsíveis após as baterias: “Eu sabia que ele era um adversário muito difícil de ser batido”, ‘Eu estou amarradão de estar aqui nessa praia”, “O calor humano da torcida brasileira não tem igual” e blá, blá, blá… Nesse caso, o vilão é mesmo a filosofia do “politicamente correto” que domina as relações profissionais e midiáticas com benefício para todos os envolvidos. Já no feesurf, o lugar comum encontra espaço no humor, na frase mais temida ao se chegar a um destino: “Ontem estava clássico!”, que já virou folclóre em qualquer surf trip.



E você leitor, consegue lembrar de outras frases feitas relacionadas ao surf? Estou certo de que basta forçar um pouco a percepção para encontrar diversas delas reverberando por aí e o grande perigo é quando a nossa preguiça mental nos impele a aceitar muitas destas afirmativas como verdades absolutas, sem pestanejar. É certo que muitas delas, mesmo após a nossa análise crítica, vão realmente fazer todo o sentido, mas outras deverão ser contestadas para o bem de nossa liberdade de expressão.

Incusive, muitas frases de efeito ganharam o mundo graças ao seu caráter enigmático, que permite diversas interpetações, como a célèbre “toda unanimidade é burra” do provocador Nelson Rodrigues. Nesse contexto, o que nos resta como seres dotados de opinião própria é pensar antes de replicar alguma destas ideias para não sermos porta-vozes do lugar comum. A tarefa não é fácil, afinal de contas, como disse o filósofo francês Montesquieu: “Quanto menos os homens pensam, mais eles falam” – taí uma bela frase de efeito!



Coluna publicada na edição 39 da revista Parafina.

Clique aqui para ver a edição completa.

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