O Poder de Uma Grande Ideia

13 de junho de 2017



Como medir o poder de uma grande ideia? Certamente uma das formas é examinar legado que ela deixou, seu alcance, longevidade e influência. No nível pessoal de seu criador, a grande ideia é aquela que ficará eternamente associada ao nome desta pessoa e irá marcar um mudança paradigmática em sua existência.

John Severson, artista pioneiro

Sim, a grande ideia só é de fato uma grande ideia se for colocada em prática. Posso afirmar com certa segurança que todo mundo algum dia na vida já teve uma tal "grande ideia". Aquela sacada genial, que depois se provou mal sucedida em alguma medida por toda sorte de razões, ou simplesmente não vingou por nunca ter saído do papel. Pior ainda, aquela ideia brilhante que veio e se foi com a mesma velocidade, surgida de um devaneio mental e perdida pela falta de registro no momento em que veio a tona.

Jack O'Neill e o produto que mudou sua vida

Fiquei pensando nisso nos últimos dias quando o mundo do surf perdeu dois ícones reconhecidos por mudarem a história do esporte a partir de uma grande ideia. John Severson criador da Surfer, a primeira grande revista de surf e Jack O’Neill, pioneiro e principal difusor da roupa de borracha.

Destaco aqui o uso da expressão “primeira grande”, pois, como em toda ideia inovadora, existem sempre as controvérsias sobre o real pioneirismo na autoria e singularidade criativa. Os casos aqui tratados não diferem disso e, pesquisando um pouco, constatamos que de fato existiram outras revistas na mesma época que Severson lançou a Surfer, assim como a tecnologia do neoprene para roupas de borracha para o surf já estava sendo experimentada por outros fabricantes quando O'Neill lançou o seu produto.



Mas dentro do chamado "espirito do tempo", estes foram os homens que conseguiram levar adiante com maior sucesso as ideias que estavam latentes e as transformaram em um meio de vida. De quebra, a partir da Califórnia, eles consolidaram a cultura do surf como esporte e criaram mercados que permitiram que muitas outras pessoas pudessem realizar o sonho de viver profissionalmente em torno do surf.   

No caso de Severson, então atuando como um dos primeiros cinegrafistas de surf, a criação da revista Surfer surgiu como uma ferramenta de suporte para os seus filmes e logo ganhou vida própria, consolidando em meados nos anos 60 um canal de comunicação que possibilitou a criação da indústria dos surf - no elo completo entre os surfistas (atletas), os fabricantes de equipamentos de surf (marcas), os fotógrafos e jornalistas de surf (profissionais de mídia) e os leitores (público consumidor).



Já para Jack O`Neill, a sacada foi simplesmente criar um produto funcional para resolver o maior dilema dos surfistas de sua região até então: como conseguir ficar mais tempo surfando nas geladas águas do Pacífico? E assim como todo grande produto, a roupa de borracha surgiu como a solução para uma grande necessidade.

Um sucesso imediato, que perdura até hoje e segue em constante evolução. "Eu queria fabricar alguma coisa que me permitisse surfar por mais tempo", sintetizou Jack. E na esteira desse produto inovador, O'Neill criou um mercado para acessórios ligados ao surf no inicio dos anos 50, quando registrou o termo "surf shop", que até hoje designa este segmento de lojas especializadas.

Jack e seu primeiro colete O'Neill

E se as "surf shops" ainda existem mundo afora em boa quantidade, o mesmo não pode ser dito das revistas de surf. As publicações impressas de surf seguiram firmes até a virada do século XXI, passando a ser lentamente engolidas pelas novas mídias digitais. Fato é que as revistas de surf perderam a sua magia como catalisadoras culturais e objeto de desejo dos surfistas sedentos por informações - embora a Surfer ainda resista bravamente como uma das últimas e relevantes publicações de surf.



E aqui podemos apontar uma diferença básica na relação de ambos os criadores com suas grandes ideias. Por um lado, Severson, que faleceu aos 83 anos, se desapegou de sua grande ideia para se dedicar à sua paixão mais intensa: a criação artística. Assim, pouco mais de uma década depois de criar a Surfer em 1960 e transformar para sempre o mercado do surf, ele vendeu a revista e se mandou para a o Hawaii, passando a viver de suas belas pinturas sobre o universo do surf (que ilustram esta matéria) e desfrutando de uma tranquila e precoce aposentadoria.



No caso de O’Neill, que se foi com 94 anos, ele seguiu em frente como fabricante de roupas de borracha e sua marca segue firme até hoje como uma das líderes de mercado, administrada por seus herdeiros. Diferenças a parte, Jack O’Neill, com sua clássica figura de pirata com um tampão no olho esquerdo (fruto de um acidente surfando), e John Severson, o talentoso artista de sorriso fácil, serão eternamente e lembrados como dois pioneiros que fizeram a diferença no mundo do surf por conta do impacto gerado por suas grandes ideias.



Num singelo e divertido discurso para agradecer a homenagem que recebeu da própria revista Surfer em 2011 (video acima), Severson, do alto de sua humildade, fez graça sobre o possível legado que sua grande ideia deixou. Disse ele que certo dia esbarrou com um camarada que o abordou na rua "com a blusa rasgada, cabelos desgrenhados, alguns dentes faltando e um olhar alucinado" e lhe disse: "Você e a Surfer mudaram a minha vida!". Em meio aos risos da platéia, ele finalizou dizendo que pelo menos o sujeito "estava vivo e empolgado!". 


A frieza das estatísticas mostram que poucos serão os afortunados a ter o privilégio de por em prática alguma ideia de impacto que irá transformar o mundo de maneira positiva. Mas quero crer que, ao longo da vida, todo mundo tem o poder de ter  as suas "pequenas grandes ideias, que transformem o seu próprio mundo para melhor. De minha parte, posso afirmar que a criação do Surf & Cult em 2009 foi uma dessas "pequenas grandes ideias" que até hoje me impulsionam de maneira positiva e fazem a diferença em minha vida.



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