Surf por Inteiro

30 de setembro de 2009



O catarinense Guga Arruda pode ser considerado um surfista completo, não só pelo seu talento sobre as ondas - foi top do circuito brasileiro por vários anos e bi-campeão catarinense profissional -, como pelas diversas atividades ligadas ao surf que realiza fora d`água, seja como shaper, surf-repórter, professor de escolinha, diretor de filmes e palestrante.

Figura muito conhecida em Floripa por quem pega ou não pega onda, Guga agora se lança em mais um projeto com o programa de rádio + Floripa, que estréia neste sábado às 11 horas, na Rádio Atlântida – 100,9 FM, onde ele já atua como surf-reporter.

A idéia é intercalar bate-papo com som ao vivo, num espaço descontraído para tratar de temas como esportes radicais, cultura e meio ambiente. Na estréia, Guga recebe o músico Moriel do Dazaranha e Fred Leite, presidente da Federação Catarinense de Surf (Fecasurf), um time que reflete bem a proposta do programa. O +Floripa terá uma hora de duração e será reprisado aos domingos, as 13 horas.



Nesta entrevista exclusiva ao Surf & Cult, Guga conta um pouco sobre este projeto e sua trajetória “multimídia” dentro do mundo do surf:

1 - Como surgiu a ideia de criar o programa +Floripa? Quais as suas expectativas em relação a este projeto?

Acredito que Floripa ja estava esperando um espaço como esse há algum tempo e eu acabei sendo um link entre a ilha e a Rádio Atlântida. Vamos trazer diferentes membros de diferentes grupos da comunidade, dando espaço pra galera usar a liberdade de expressão e divulgar seus valores, além de muita “surf music” e “Floripa music” na parada e também boletins sobre as condições do mar e das ondas.

2 - Você já é surfista profissional, surf-reporter, shaper, instrutor de surf, diretor de filmes e agora apresentador de programa. Como faz para organizar a sua rotina e dar conta de tantas atividades? Qual o seu foco atual?


Meu foco principal ainda é o surf performance e isso me dá força, argumento e conteúdo para atuar em todas essas outras áreas. Dar conta de todas essas atividades não é fácil, mas eu dou um jeito.



3 - Você recentemente lançou uma nova proposta de pranchas de surf. Fale um pouco sobre as caracteristicas destas pranchas e como enxerga a evolução dos shapes em termos de design e sustentabilidade?

Acredito ter dado um grande passo com a nova tecnologia da PowerLight, tanto na inovação, como na performance e na sustentabilidade. O resultado são pranchas muito leves, fortes e com controle de flexibilidade, produzida com materiais recicláveis como o EPS (isopor).

4 - Este ano você lançou o filme Arquivo Surf 3. Fale um pouco sobre esta produção, os filmes de surf que te inspiram e quais os teus planos futuros na área audiovisual?

Faço minhas próprias produções para a série Arquivo Surf e este ano fiz um pré lançamento do Arquivo Surf 3 no Floripa Cine Action. Atualmente estou trabalhando o canal Guga Arruda no Youtube, onde apresento as novidades aos espectadores e, pro futuro, pretendo seguir me divertindo com surf, belas imagens, musica e edição.



5 - A popularização do surf leva cada vez mais jovens e adultos a se iniciarem no esporte. Qual a sua visão sobre o crescimento das escolas de surf em Floripa? Como procura abordar com seus alunos os aspectos de competição x diversão, lazer e estilo de vida?

O surf faz por si só o trabalho de conquistar adeptos para os seus diferentes segmentos. O instrutor só precisa respeitar o aluno e perceber o seu caminho para ajudá-lo a se desenvolver dentro da sua própria natureza. Acredito que o papel das escolas é fundamental, principalmente pela segurança e educação dos novos surfistas.

6 - Como vai a sua carreira profissional? Como você imagina o seu futuro dentro do meio do surf? O que ainda deseja fazer?


Continuo competindo com o desejo vencer cada campeonato que participo. Pretendo surfar e filmar as melhores ondas do mundo e atingir o ápice da minha performance, me desenvolver como ser humano e entidade espiritual, usando a mídia como veiculo de luz e desenvolvimento da consciência coletiva.

Literatura em Formação

24 de setembro de 2009



Nesta semana terminei de ler o livro Fôlego de Tim Winton. Diante da escassez de títulos de ficção que tenham o surf como tema de destaque, há de se saudar a iniciativa de traduzir para o português este romance do escritor australiano, que esteve no Brasil recentemente lançando sua obra.

Para quem pega onda, as descrições e relatos sobre a iniciação do personagem principal, o garoto Bruce Pikelet, no mágico universo das ondas e das pranchas no isolado oeste australiano já bastam para fazer desta obra uma leitura prazerosa. Está ali a descoberta do sentimento que faz os surfistas se sentirem seres superiores por estabelecerem uma relação de interação completa com a natureza, representada pelos movimentos do oceano. Assim, o conteúdo do livro é repleto de descrições instigantes sobre os aspectos essenciais do surf.

Contudo, as nuances dessa relação intima com o as ondas não seria suficiente para assegurar esta obra como um best-seller de apelo universal, capaz de atingir um público muito mais abrangente. Autor renomado em seu país, Winton atinge este objetivo utilizando a relação do homem com o mar – tema com o qual demonstra grande conhecimento e sensibilidade – numa alegoria sobre o processo de encanto e desencanto com o mundo, de onde constrói com força e originalidade um autêntico romance de formação - ou bildungsroman.



A difícil e conturbada transição para a vida adulta faz da adolescência um período de grandes descobertas e incertezas, onde, de alguma maneira, somos forçados a abandonar a magia da infância e a forjar a nossa personalidade em meio a toda sorte de influências externas e acontecimentos que irão marcar nossas vidas para sempre.

Fôlego e equilíbrio, habilidades fundamentais para um bom surfista, são também as forças que moldam o caráter do jovem Pikelet em seu processo de amadurecimento, no envolvimento com personagens fascinantes como o egocêntrico e misterioso guru das ondas Sando, sua depressiva esposa Eva e o inconseqüente e competitivo amigo Loonie.

As experiências vividas no sentimento supremo de desafiar o medo em busca da adrenalina de surfar as maiores ondas e o vazio existencial advindo da incapacidade de se obter este prazer com a frequencia e intensidade desejadas, são responsáveis por moldar a personalidade do homem de 50 anos que resgata suas memórias para os leitores – numa narrativa emocionante e, por vezes, triste e melancólica.

Pessoalmente, se pudesse escolher, não gostaria de voltar aos meus treze anos de idade e acredito que a maioria das pessoas tampouco teria interesse em se submeter novamente às agruras desta difícil etapa da vida onde queremos crescer a todo custo, pois não nos sentimos mais crianças, mas somos ainda muito verdes e impressionáveis, expostos a toda sorte de influências negativas e acontecimentos traumáticos.



Neste contexto, Fôlego se insere numa notável galeria de obras literárias que abordam com propriedade a transição para a vida adulta. O Apanhador no Campo de Centeio de J.D Salinger talvez seja o romance de formação por excelência, uma obra-prima que define o gênero em sua versão moderna com grande maestria, na divertida e cultuada história do jovem Holden Caufield, que foge da escola e se aventura pelas ruas de Nova York.



Para quem curte este gênero, recomendo toda a obra do norte-amerciano John Fante, na minha opinião, um dos melhores escritores de todos os tempos. As aventuras e desventuras do personagem Arturo Bandini - alter ego do próprio autor - em obras como Espere a Primavera Bandini, Sonhos de Bunker Hill, o famoso Pergunte ao Pó e 1933 foi um ano Ruim (este último sem Bandini) expressam como poucos a dor de se sentir um outsider, alguém inadequado e diferente do resto da humanidade - um sentimento comum a adolescentes nos quatro cantos do planeta.



O aclamado Charles Bukowski, conhecido por seus retratos cáusticos de personagens marginais, alcoólatras e desajustados, também enveredou com maestria por este universo no clássico Misto-Quente. Grande admirador do subestimado Fante, ele definiu o colega com precisão em um prefácio: “Finalmente aqui está um homem que não tem medo da emoção”. E o que percebemos como traço comum entre todas estas obras é uma inevitável carga autobiográfica, numa forma artística de reavaliar e superar os acontecimentos marcantes do passado.



Dito isto, se quisermos amplar um pouco o escopo, podemos também verificar que o romance de formação não é uma exclusividade do universo masculino. As memórias de infância da escritora Jeannete Walls no instigante best-seller O Castelo de Vidro apresentam, a sua maneira, uma abordagem feminina para esta temática, onde os primeiros anos de nossas vidas determinam de maneira indelével o que seremos na fase adulta.


Selton Mello em Lavoura Arcaica

Tentei resgatar na memória algum romance de formação de algum autor brasileiro, mas pouca coisa me veio a mente. A própria definição do gênero dá margem a diversas interpretações e, para não deixar de citar alguns representantes nacionais, acho que podemos considerar a poética obra-prima do cinema nacional Lavoura Arcaica, baseada no livro de Raduan Nassar, como um romance de formação genuinamente brasileiro - a obra O Encontro Marcado de Fernando Sabino (que ainda não li) é também citada por estudiosos do assunto.

Quanto ao surf como propulsor de uma corrente literária própria, podemos dizer que trata-se ainda de um gênero em formação.

Foto de abertura: Tim Winton no oeste australiano - créditos: Quentin Jones

A Força

18 de setembro de 2009


Um intoxicante pensamento positivo irradiava a sua volta. Brisa soprando a favor, pressentimento de uma certeza: as ondas estariam grandes e lisas. Passando a margem dos milharais que produziam um belo contraste com o céu azul límpido, a conjunção dos elementos apontava para a fantasia de imagens de ondas perfeitas. Expectativa: o mar estava de ressaca no dia anterior, mas com a passagem da tempestade deve ter se acertado.

Os campings vazios não interrompiam o silêncio, bem como as casas de veraneio de moradores desconhecidos, em sua maioria fechadas. Passou por duas crianças brincando despreocupadamente no meio do asfalto. Era um lugar tranqüilo para criar filhos em liberdade.

Forçou a pedalada na subida íngreme, que representava o último obstáculo antes de seu encontro visual com o oceano. Estava tão físsurado em chegar ao topo, que nem sentira a dor do impacto de seus pés descalços sobre os pedais de metal pontiagudos. Prendeu a bicicleta e seguiu apressadamante os últimos passos. Cercado pelas dunas de areia, estava ofegante. Parecia estar chegando a um oásis no deserto não fosse a faixa de asfalto quente.

Jamais se esqueceria da cena que avistou a seguir: séries com ondas de mais de seis pés marchavam em direção a areia, alisadas por uma brisa terral. Linhas energéticas contendo o poder das forças naturais, que se deslocavam desde os confins do oceano até atingirem a costa. Quebravam numa arrebentação além do local que estava acostumado, seguindo perfeitas em ambas as direções e conectando até a beira da praia. A conjunção dos elementos se materializara. O sonho era real.



Era um domingo de sol forte e, apesar do verão estar terminando, logo as areias da praia iriam se encher de visitantes. Mas dentro do mar as condições estabeleciam uma seleção natural: somente aqueles dotados de boa remada, resistência e persistência conseguiriam varar a arrebentação e desfrutar das ondas perfeitas.

Persistência não faltou diante de cada massa d`água que tentava varrê-lo de volta à areia. A situação era enfrentada como mais um desafio. O fôlego começou a falhar. Remava e remava sem conseguir sair do lugar.

O surfista em sua relação com o mar aprende lições que encontram paralelo com as situações cotidianas vividas pelo homem em sociedade. O aprendizado sobre o respeito aos elementos reguladores da natureza, que fogem ao controle humano, de poder insignificante, reside em saber compreender e tirar proveito das forças que parecem conspirar contra nós.

No caso do mar, suas correntes e marés estão em constante mutação, repletas de mistérios. Ensinam que a vida dá voltas e que temos sempre que nos adaptar a um mundo em constante mutação. Embora possa parecer, uma onda nunca é igual à outra, assim como um dia jamais se repete. A força e a magnitude do oceano faz o surfista compreender sua insignificância diante dos poderes, muitas vezes ocultos, que nos cercam.

Depois de muito esforço varou a arrebentação e saboreou a recompensa. Deslizou por longas paredes de água que formavam cilindros cristalinos, em total harmonia com o oceano. Só aqueles que já ficaram em pé numa prancha podem vislumbrar a sensação que surfar uma onda pode proporcionar.

Segundos de adrenalina que valem por uma eternidade, o sentimento de integração total: quando o canudo cristalino se fecha à sua frente, o mundo exterior deixa de existir, e o corpo se suspende para uma outra dimensão de tempo e espaço. O turbilhão provocou um desejo incontrolável de gritar, exteriorizando a emoção da liberdade total. Um sentimento universal, básico, que une todos surfistas espalhados pelos quatro cantos do planeta.



Vínculo que estabelece uma verdadeira comunidade. Vício que une uma tribo de nômades, capazes de enfrentar as maiores adversidades para encontrar ondas perfeitas, de preferência um local isolado e solitário. Uma busca obsessiva e infinita, diante das possibilidades que se apresentam àqueles que não temem se aventurar por águas desconhecidas. Desbravar o mundo em busca do objeto de desejo, do sonho acordado, desenhado nos cadernos da escola.

No decorrer daquelas quase cinco horas dentro no mar, reencontrou o prazer e a motivação inicial, que havia sido o impulso fundamental para realizar aquela viagem... Para aqueles que não compreendem o fascínio que o surf pode exercer, estas linhas não passam de devaneios. Isto porque tentam registrar sensações que não podem ser expressas em palavras, visto que elas são insuficientes em sua significância.


O texto acima é um capitulo extraído do livro Expectativas e Despedidas de minha autoria. Inspirado nas andanças que fiz pela Europa no final dos anos 90, onde o surf exerceu um papel de destaque, a obra foi o meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo e publicada pela editora Papel & Virtual em 2001.

As fotos retratam alguns cenários do litoral sudoeste da França que condizem com a essência do pico de surf citado no texto que fica na região de Messanges.

Técnica da Água

15 de setembro de 2009



Pintar com aquarela e surfar uma onda são atividades que se conectam em uma mesma essência: fazer arte com a água. Adepto destas duas atividades, André Côrtes é um dos artistas plásticos brasileiros que melhor conseguem traduzir o espírito do surf para a pintura, com uma sensibilidade aguçada pela paixão genuína pelas formas do mar.



Em representações como uma onda quebrando perfeita e solitária, o pai ensinando o filho a ficar em pé sobre uma prancha e o bodysurfer se encaixando em um tubo perfeito, a arte de André contribui para materializar o universo imagético do surf, em criações que evidenciam com propriedade alguns dos elementos mais significativos da cultura que envolve a prática de deslizar sobre as ondas.



Com projetos realizados para a indústria do surf, ilustrações em filmes e videoclipes, além da participação constante de exposições relacionadas ao surf, André também exerce um interessante trabalho de pesquisa e resgate de manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras, além de atuar como professor universitário, repassando os seus conhecimentos para as novas gerações de artistas nacionais.



Na entrevista a seguir, o artista carioca, conhecido pelos amigos como Cinquentinha, conta ao Surf & Cult um pouco mais sobre o seu trabalho, influências e sua visão sobre o papel da arte no surf e na educação:

1 - Fale sobre a sua formação profissional e a sua relação pessoal com o surf?

Sou artista plástico, ilustrador, formado em desenho industrial e mestre em design pela PUC-Rio onde atualmente dou aulas de desenho e de projeto.

Meu processo de investigação plástica se deu a partir da relação com o mar, da fascinação por seus movimentos, cores e simbologia. Surfar e pintar tem sido, desde então, meios de buscar uma conexão mais profunda com o elemento água nos aspectos físico, mental e espiritual.

2 - Quais as tecnicas de desenho e pintura que mais te atraem? Como você desenvolveu o teu estilo próprio?


O meio de expressão com o qual desenvolvi maior proximidade foi a aquarela, a técnica da água.



3 - Quais trabalhos profissionais relacionados ao surf você já realizou?

No mundo do surf trabalhei desenhando estampas para a Veltra e para a Art in Surf, participando de todas as edições da Mostra surf de arte promovida pela revista Alma Surf. Também fiz as ilustrações para o filme Quintal de Casa da Hang Loose, e aquarelas para animação de um vídeoclipe da Paula Toller e Donnavon Frankenreiter.



4 - Como você enxerga a cultura do surf no Brasil e no mundo? Quais as referências artisticas que te inspiram neste universo?


Acredito que o que chamamos de cultura surf no Brasil ainda está muito vinculado ao que este conceito representa para outras comunidades do surf estrangeiro. Acho que ainda apresentamos dificuldade grande em assumir uma identidade particular e insistimos em seguir modelos. Penso também, por outro lado, que o lugar da arte na educaçao do nosso jovem deixa muito a desejar, fazendo com que a produção e o consumo de cultura não estejam vinculados a manifestações de expressão artística locais.

Minhas maiores referências vem do mundo da arte e da cultura popular, meu mestre Urian Agria de Souza, pintor, paraense, grande amante das águas e da cultura negra, Caribé, e tantos artistas que voltaram seus olhos para a nossa terra e nossa gente.



5 - Quais os seus projetos para o futuro, dentro e fora do universo do surf?

Atualmente tenho voltado minha pesquisa plástica para a cultura negra, divindades das religiões afrobrasileiras, manifestaçõeses da cultura popular. (n/e: o trabalho pode ser conferido da abertura da série Ó Paí Ó da rede Globo, produzida pelo Grupo Sal)



6 - O que mais gosta de fazer quando não está pintando ou desenhando?


Tenho trabalhado em projetos vinculados a comunidades de origem negra através de parcerias com pontos de cultura como Associaçao de moradores do Quilombo de Campinho da Independencia em Paraty e Jongo da Serrinha em Madureira no Rio de Janeiro. Tenho planos de atuar na area editorial atraves da produção de pinturas para livros de arte, exposições, vídeos, animações relacionadas ao universo da cultura regional.


André em ação - Grumari - set 09

Contatos:

coroflot.com/salyagua

salyagua.blogspot.com

Surf Clássico do Brasil na Drift

7 de setembro de 2009


Falando em "felicidade compartilhada" (título do último post), é com grande prazer que comunico aos amigos e leitores que a matéria que fiz sobre o trabalho do shaper Felipe Siebert foi republicada na versão européia da Drift, a conceituada revista inglesa, que agora é editada apenas em versão eletrônica.

O texto foi selecionado para ser inserido na seção "Keep It Local", um espaço destinado a colaboradores em todo o mundo que desejem disseminar iniciativas locais relevantes dentro da cultura do surf em sua região. No momento em que conheci este espaço percebi imediatamente que a matéria publicada neste blog sobre o resgate da arte clássica das pranchas de madeira da Siebert Surfboards se encaixava perfeitamente na proposta temática da publicação.

Pessoalmente, é motivo de grande reconhecimento profissional ver o meu trabalho ser difundido por uma publicação com o perfil da Drift, que busca disseminar valores genuínos e perspectivas positivas no universo multifacetado do surf. Neste sentido, esta versão inglesa da matéria original é uma validação de toda a proposta editorial do Surf & Cult.

Por fim, fica o sentimento de satisfação em poder contribuir para que trabalhos significativos como o de Felipe Siebert sejam conhecidos e admirados pelo maior número possível de pessoas, principalmente aqueles que de alguma maneira compartilham com os valores embutidos em uma atividade que envolve muito mais do que simplesmente fabricar e comercializar pranchas de surf.

Prova disso é a parceria com o artista santista Jair Bortoleto e os renomados designers norte-americanos Jesse Ledoux e Dustin Ortiz para assinarem a produção gráfica de uma série especial e limitada de modelos fish de madeira - mais um trabalho coletivo e criativo na união do surf com a arte - e que também foi divulgado na Drift.

Felicidade Compartilhada

3 de setembro de 2009



Alguns filmes tem o poder de ecoar fundo, permanecendo por muito tempo em nossas mentes e, de alguma maneira, transformando ou reafirmando a percepção que temos sobre aspectos fundamentais de nossas vidas.

No dia em que assisti Into the Wild (Na Natureza Selvagem) fiquei inebriado e motivado a elaborar algumas reflexões sobre como este filme, embora não contenha nenhuma cena de alguém descendo uma onda, representa de maneira intensa e poética o significado essencial da experiência de surfar.

O filme não é novo e por pura sintonia descobri no dia seguinte que o colega do Blog Di Praia havia recém publicado uma resenha sobre o impacto provocado pelo filme baseado na história real do jovem Christopher McCandless que largou tudo para trás no início dos anos 90 e foi para o Alasca em uma busca radical pela integração total com a natureza.

Contudo, não resisti em deixar minhas impressões pessoais sobre este tema, pois é justamente este desejo em desprender-se de todas as barreiras sociais e sentir-se parte de algo maior o que move e dá razão a experiência de surfar uma onda. E ai está justamente a relação direta de Into the Wild com tantos filmes de surf que buscam capturar este sentimento e nos fazem viajar através das imagens para paraísos distantes.

"O cerne do espírito humano vem das novas experiências". Esta frase poderia muito bem ter sido extraída do clássico On the Road de Jack Kerouac, uma das muitas referências literárias que podemos resgatar como formadoras deste poderoso imaginário de liberdade representado pela estrada - um universo temático que, de tão explorado pelo cinema nas últimas décadas, fez surgir o gênero "road movies".



Mas ao contrário dos alucinados e errantes beatnicks , o autor da frase é um jovem idealista sem apego a substâncias alucinógenas, apenas perturbadoramente focado em "deixar de ser envenenado pela civilização" e disposto a tudo para de alguma maneira se purificar no contato direto com a natureza selvagem, inspirado nas idéias do filósofo naturalista Henry Thoureau.

Conexão, pertencimento, inconformismo, um significado maior, a busca pela essência da vida... sentimentos universais e capazes de criar um desasossego insuportável para um jovem idealista de 22 anos em busca de uma verdade suprema.

Repleto de passagens poéticas e reflexivas, o filme foi produzido e dirigido pelo grande ator Sean Penn e com trilha sonora arrebatadora de Eddie Vedder do Pearl Jam, formando o que, ao meu ver, é uma verdadeira obra-prima - os dois já haviam trabalhado juntos com um resultado bastante emocionante no filme Dead Man Walking, outra história baseada em fatos reais, onde Penn interpreta um presidiário que aguarda a execução de sua sentença de morte.

Voltando às referências ao surf, Into the Wild me trouxe logo a mente a última e mais ousada empreitada de Rob Machado em seu novo filme The Drifter, (já citado anteriormente neste blog) onde ele cai na estrada como um errante solitário, perdido ao sabor do vento (e das ondas é claro!) na Indonésia - ainda não assisti ao filme, mas pelo trailer, é possível perceber claramente estas referências.

Mas o isolamento total cobra o seu preço e isto é muito bem dramatizado em Into the Wild. Numa das últimas passagens do filme, o exaurido personagem, depois de percorrer sua longa e intensa jornada, escreve em um livro o que na minha opnião é a frase mais marcante e significativa do filme: "A felicidade só é real quando compartilhada".

Dito isto, a dura lição desta história sobre a condição humana é que jamais conseguiremos ser plenamente felizes sozinhos, mesmo que estejamos surfando ondas perfeitas solitárias em algum paraíso terrestre. Prova disso é a ponta de decepção quando vivemos uma situação inesquecível, como pegar "a onda da vida" e depois perceber que ninguém assistiu à cena. Não é a toa que invariavelmente todo surfista costuma dizer que a sua sessão de surf ideal é aquela vivída em um dia de ondas clássicas com apenas alguns amigos dentro d`água.



E que tal se essa busca fosse compartilhada com a sua própria família? Neste caso vale dar uma conferida no documentário Surfwise, do diretor Doug Pray que resgata a incrível história do lendário surfista e médico judeu Dorian Pascowitz, que nos anos 50 largou tudo para passar as décadas seguintes viajando atrás de ondas perfeitas com a familia em um pequeno motor-home, onde viveu com a mulher e criou nada menos do que 9 filhos em condições no mínimo "alternativas" - o velho ainda esbanja saúde nos dias de hoje, surfando todo dia e comandando um famoso surf camp em San Diego com sua família.

O resultado um tanto traumático desta experiência de Paskowitz parece estar fundamentado no contraste insuportável entre a suposta liberdade e a total falta de privacidade de viver a família de forma tão intensa e radical. Afinal de contas, a felicidade proporcionada pelo surf e pela vida em geral deve estar baseada na idéia de compartilhar a liberdade, algo que só podemos experimentar de maneira plena a partir de nossa própria individualidade.
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