As filmagens de surf para o documentário "A Pedra e o Farol" renderam muitos registros de sessões pelas praias do Farol de Santa Marta e algumas investidas na Laje da Jagua entre 2014 e 2015. A maior parte deste material captado não entrou na edição final do filme e permaneceu guardado nos HDs, especialmente pelo fato do documentário não estar focado 100% no surf.
Resolvi tirar um tempo para resgatar parte desse material, com a edição de um clipe reunindo algumas imagens de ação do surfista André Luiz, que apareceu com destaque nas melhores sessões de surf registradas. Natural de Araranguá e local de Itapirubá, André foi um daqueles personagens que apareceram naturalmente durante a produção do filme, e tivemos a oportunidade de criar uma amizade a partir de sessões juntos em picos como Santa Marta e Cardoso e posteriormente na Laje da Jagua.
"Frequento o Farol de Santa Marta desde criança. Quando meus pais queriam me levar em um lugar diferente pra surfar era lá que eles iam. Hoje não mudou muita coisa, por morar em Itapirubá, bem próximo do Farol, estou sempre buscando as boas ondas que os picos de lá proporcionam", conta André, que até o ano passado vinha competindo no circuito catarinense profissional (que não rolou este ano) e em algumas etapas do circuito brasileiro.
Diante das dificuldades em conseguir viabilizar a carreira profissional como competidor pela falta de campeonatos, André conta que nos últimos anos começou a focar mais em free surf, viagens, e ondas grandes. E foi nessa busca, que pude acompanhar as suas primeiras duas experiências com o tow-in na Laje da Jagua, em registros que ficaram eternizados no filme e na mente de André:
"Graças ao Thiago Jacaré e à galera da Atowinj, conheci a Laje da Jagua. Logo na minha primeira onda no pico (minha primeira onda fazendo tow-in também), em um dia com o swell médio para o lugar, tomei o pior caldo da minha vida. O Jacaré me puxou para a direita e a pedra apareceu do nada, deformando a onda, fazendo com que eu caísse e ficasse muito tempo submerso. Por muita sorte não bati nas pedras. Depois disso surfei mais algumas ondas, porem bem menores que a primeira.", relembra.
Em 20 de maio de 2015 pegamos o maior mar da gravações e contamos com o suporte de uma lancha para conseguir os melhores registros: "Na minha segunda investida, com um swell grande, novamente a direita estava funcionando. Somente quem já viu e surfou essa onda pode ter uma noção real de como a onda é pesada e perigosa. O tubo é algo muito raro e difícil, pela maneira com que a onda quebra na rasa bancada. Tudo acontece muito rápido. É fácil ver as fotos e criticar a galera que surfa por lá. Os caras realmente arriscam a vida. Tudo lá é difícil: chegar, surfar, registrar... mas surfar uma bomba daquela faz tudo valer a pena!", relata.
(Matéria publicada originalmente na edição 333 da revista Fluir em julho de 2013)
Um filme de surfe rodado exclusivamente na Itália em película de 35mm e que teve a sua finalização bancada com recursos de um financiamento coletivo na internet. Assim é Bella Vita, a mais recente produção do diretor norte-americano Jason Baffa, autor de clássicos do gênero, como “Singlefin: Yellow” e “One California Day”.
Viagem Analógica
Nos últimos anos, o acesso aos melhores picos de surf no mundo foi democratizado pelas muitas agências de viagens especializadas em surf trips e pelos serviços de internet que disponibilizam mapas atualizados com previsões precisas sobre as condições das ondas nos quarto cantos do planeta.
A descoberta de ondas épcias e sem crowd que são o tema central da maioria dos filmes de surf voltou-se então para destinos cada vez mais inusitados, como no desafio do frio extremo possibiitado pela evolução das roupas de borracha em litorais da Rússia, Islândia e Alasca, ou então, na tentativa de “espremer limão” em destinos pouco concorridos e exóticos, aproveitando a velha maxima de que “todo pico tem os seus dias mágicos”.
Viajar em busca de ondas na Itália certamente se encaixa na segunda categoria. A ousadia de apostar no balanço das águas do Mar Mediterrâneo para captar imagens para um filme bilíngue de 82 minutos sobre surfe, utilizando a custosa tecnologia analógica só se justifica em termos lógicos se pudermos evidenciar o subtexto que deu origem à Bella Vita.
Afinal, mesmo com o seu respeitável currículo e um elenco de sufistas midiáticos como Chris Del Moro, Dave Rastovich e os irmãos Conner e Parker Coffin, como foi que Baffa conseguiu amealhar US$ 30 mil de centenas de desconhecidos na internet para finalizar esta ambiciosa produção?
Raizes Italianas
A resposta pode começar pela descrição do roteiro: “Bella Vita” é um documentário que registra a cultura surfe da Itália, a partir do resgate das raizes italianas do talentoso surfista Chris Del Moro como fio condutor da história.
"Encontrei Chris por acaso em Bali e tomando umas Bintangs trocamos umas ideias sobre a fantástica e ainda pouco conhecida subcultura do surf na Itália. Daí ele falou desta ideia do filme confiando a mim esta história pessoal de sua conexão com a Itália", lembra Baffa.
Raízes italianas? Assim como ocorre no Brasil, os Estados Unidos possuem um passado de significativa imigração italiana na formação de seu povo. Ao longo de sua infância, Chris Del Moro passou muitas férias com seus parentes italianos, onde foi exposto à excelência da arte, arquitetura e design tão associadas à identidade deste país. Estas experiências marcaram a formação de sua personalidade e moldaram o experimentalismo e o apuro estético de seu surfe, lapidado nas ondas da Califórnia onde aprendeu a surfar.
Convidado a embarcar nesta busca de Del Moro por reconectar-se com as memórias e as paisagens de sua infância na Itália, depois de um longo período de quinze anos ausente, o espectador percorre os encontros familiares de Chris com seus parentes e personagens que variam de surfistas à artesãos, compondo uma aventura singular, que reverbera em todos aqueles que buscam consolidar a sua identidade em um mundo cada vez mais globalizado e impessoal.
Novidade e Tradição
Os caminhos percorridos pela equipe de filmagem na costa continental e nas ilhas do território italiano atrás das melhores ondas se baseia num roteiro nostálgico em meio a paisagens recheadas de história no Mar Mediterrâneo, ao qual se juntam, além dos surfistas já citados, alguns expoentes locais, como Leonardo Fioravanti e Alessandro Ponzanelli.
Mergulhar numa cultura que respira tradição, mas que ao mesmo tempo possui uma cena surfe ainda em formação, cria uma enriquecedora dialética ao filme. Ao longo de 100 dias, Baffa, ele próprio um descendente de italianos, esteve imerso neste ambiente cheio de surpesas e contraposições, onde as nuances da alma latina cheia de paixão que corre nos italianos imprimiram um tempero todo especial à narrativa.
Estes elementos culturais emoldurados pelos cenários rurais e o litoral acidentado da costa italiana, somam-se ao orgulho dos surfistas locais em receber expoentes como Dave Rastovich em suas ondas. Um comportamento amistoso típico de picos onde o crowd ainda não deteriorou o espírito de camaradagem original dos surfistas, no prazer e compartilhar boas ondas com os visitantes.
Fora d’água este reconhecido espírito expansivo e agregador típico dos italianos também rola em alto volume e Baffa aproveitou este ambiente para novamente explorar as relações humanas e sociais no universo do surfe, que fizeram a fama de seus filmes anteriores. “Penso neste docuemntário como o fechamento da minha trilogia ‘Sérgio Leone’ de filmes de surfe”, brinca Baffa por email, em referência ao célebre diretor italiano de filmes de faroeste que consagraram o gênero “western spaguetti”.
A qualidade das ondas
Assim, já podemos elencar na lista de atrativos de Bella Vita, a união de boas ideias, bons personagens, fotografia caprichada e insights poéticos, para formar uma narrativa inspiradora. Mas afinal de contas, rolam boas ondas na Itália? Entre um gole e outro de café espresso, Baffa responde com sinceridade: "Tem ondas bem divertidas na Itália, mas você tem que ser extremamente paciente e persistente para se dar bem. O potencial para ondas exepcionais está lá, mas pode significar a busca de toda uma vida, pois são tantos fatores envolvidos que precisam se alinhar”.
Na Itália, como em qualquer outra surf trip, um bom planejamento para encontrar boas ondas é essencial, mas, ainda assim, filmar surfe será sempre um jogo de sorte. Prova disso é que, apesar de todos os esforços e da escolha teórica pela melhor época do ano para pegar ondas na Itália, Baffa lamenta que a temporada de mais de 30 dias de Dave Rastovich em solo italiano tenha rendido apenas quarto boas sessões de surf. Mas no fim das contas, o compromisso com a realidade é um dos principais alicerces de um filme documental e a frustração de não encontrar ondas também deve ser aceita e incorporada ao contreúdo projetado na tela.
35 mm de Desafios
A opção por filmar em 35mm implicou no uso de câmeras grandes e pesadas, transformando a movimentação pela praia numa verdadeira empreitada para a enxuta equipe de três profissionais. “Eu sou razoavelmente forte, mas estas cameras acabaram comigo. A base da minha coluna ainda está avariada”, confessa Baffa.
E se pensarmos que a maioria das salas de cinema e festivais da atualidade trabalham com exibição de cópias digitais, filmar em pelicula parece um preciosismo. Mas Baffa conta que todas essas questões se dissiparam assim que sentou-se na ilha de edição para assistir ao resultado de uma tomada aquática em filme de 35mm: “O visual de Dave Rastovich ou Conner Coffin executando um cutback em super câmera lenta é incrível. A pelicula simplesmente captura o movimento da água de um jeito tão bonito e mais orgânico que os pixels digitais”, avalia.
Financiamento Coletivo
Bater o pé para produzir um filme independente com uma qualidade técnica diferenciada levou Baffa a arriscar-se em uma campanha de financiamento coletivo pela internet, e de quebra examinar por antecipação a aceitação do publico em relação a Bella Vita: "Eu sinto que o meu público merece uma certa qualidade de produção. Não quero lançar uma porcaria de projeto”, explica. “Através do apoio do público nós conseguimos acessar estes recursos adicionais para fazer as coisas ficarem realmente boas ".
Assim, ao longo de 40 dias, num esquema “tudo ou nada”, Baffa acompanhou com ansiedade a evolução das contribuições online em busca dos 30 mil dólares requeridos para finalizar a sua obra. “Esta experiência foi muito excitante, vendo as pessoas botarem a cara e validarem todo o trabalho e risco envolvidos até o momento. Dito isto, certamente foi assustador esperar para ver se alcançariamos o objetivo, mas sempre tive fé que ia dar certo”, relata Baffa.
Financiamento aprovado, o investimento do público foi então aplicado na aquisição de uma trilha sonora de alta qualidade e outros elementos técnicos de finalização como efeitos gráficos e de animação.
O filme Bella Vita será exibido no próximo dia 21 de outubro às 21 hs no Cinema do CIC em Florianópolis dentro da programação do evento Lagoa Surfe Arte.
O engenheiro químico Daniel Arena encontrou a fórmula mágica de juntar a sua paixão pela fotografia e pelas viagens de surf em uma atividade profissional, com a criação da agência de viagens Liquid Trips em 2000.
Desde então, ele segue um ritmo constante de viagens pelo mundo ajudando surfistas a realizarem suas surf trips, apurando o seu olhar fotográfico e criando um rico acervo de imagens com registros desses locais. Um exemplo disso é o projeto "Marco Polo nos Extremos", no qual se dedica a explorar novas fronteiras para o surf junto com o surfista profissional Marco Polo.
Além disso, Daniel também está envolvido no apoio a eventos dedicados às manifestações artísticas ligadas ao surf, como o Surf Culture na Praia do Forte (Bahia) e o Lagoa Surfe Arte em Florianópolis, evento do qual é um dos organizadores.
1 - Como começou o seu envolvimento com a fotografia e o que ela representa na sua vida?
Na época da faculdade, em 1993 cursei disciplinas no Instituto de Artes, na Unicamp, de teoria da fotografia, história da fotografia e laboratório Preto e Branco. Nessa época o universo dessa arte, já me envolveu. O processo de produção de imagens, da ideia até a ampliação final no papel me interessou muito. Mais tarde associei o prazer de viajar com a fotografia, fiz muitas fotos em cromo (slides) e depois, digitais. A fotografia representa para mim, uma forma de expressão artística e também hoje em dia, uma motivação para conhecer lugares novos e poder registrar isso sob meu olhar.
2 - Qual a sua visão sobre a relação do surf com as artes? Fale um pouco sobre os seus projetos pessoais envolvendo o surf, viagens e fotografia/filmes e o seu envolvimento em eventos ligados à cultura surf?
Para mim, estão totalmente ligados! Eu nunca fui fã de surf competição, sempre associei o esporte à camaradagem, natureza, música e expressão pessoal. Lembro das sessões de filmes de surf, da fotografia, da música, de momentos dentro d'água, como se fossem fotos em uma exposição. Para mim, surf e arte são primos próximos!
A Liquid Trips me ajuda de alguma forma a poder fotografar lugares que visito e transformo em produtos para os clientes da agência. Já com o Marco Polo, e nosso projeto "Marco Polo nos Extremos", consigo aliar a descoberta e espírito de aventura, com a fotografia jornalística e artística. Esse projeto me motiva muito a viajar e vivenciar experiências diferentes. Sem dúvida, a busca pelo exótico e desconhecido me motiva muito hoje, e o Marco Polo é o parceiro ideal para essas aventuras.
3 - Quais as suas maiores inspirações em termos de fotografia, dentro e fora do surf?
Sebastião Salgado é o mestre do Preto e Branco, da fotografia social, dos projetos fotográficos cheios de conteúdo. Ele me inspira muito, e creio que a todos os amantes da fotografia. Chris Burkard me inspira no colorido, nas viagens exóticas e nas imagens perfeitas. Kepa Acero, um surfista que me inspira pela serenidade, vibração boa e coragem, além das descobertas!
A sensação da descoberta e aventura, de achar ondas, de ser o primeiro a retratar alguma onda quebrando, aquela sensação de desbravador, me motiva e me inspira muito. Aliar, surf, viagens e fotografia é amplamente inspirador e motivante.
4 - O surf nos leva a conhecer lugares pouco explorados nos roteiros turísticos tradicionais. Quais os lugares mais marcantes que você já visitou para surfar e fotografar e quais fronteiras ainda deseja explorar? Por que?
Sem dúvida, junto com o Marco Polo, em Oman e nas Ilhas Falklands- Malvinas. Esses foram os mais exóticos, sem crowd e diferentes. As vezes as ondas nem são tão boas, mas a procura, a busca, as pessoas envolvidas, o caminho até chegar lá, isso é muito bacana! A sensação é de vitória.
Nos destinos mais convencionais, surfei sozinho no último Atol das Maldivas - que fica abaixo da linha do Equador , onde existia uma base militar britânica na Segunda Guerra Mundial - e também me marcou muito.
Por algum motivo, que não entendo muito, tenho vontade de desbravar o Oriente Médio para o surf. Percebi em Oman, o potencial daquela região. Acho que principalmente pelo povo extremamente gentil e pelo fato do crowd ser zero. Os atóis do Norte das Maldivas, também estão na minha cabeça, tenho já algumas pistas e contatos e com certeza tem muita onda boa por lá. Outro lugar que já ouvi falar é o Arquipélago de Diego Garcia, pareceu bem interessante.
5 - Se você tivesse uma verba ilimitada para produzir algum trabalho fotográfico ou artístico relacionado ao surf o que você faria?
Eu faria uma exposição fotográfica com fotos de line up dos picos mais exóticos do mundo, em condições clássicas. Aquelas fotos que você olha e se imagina ali dentro, surfando a onda de forma livre e infinita.
Locações das fotos: Ilhas Falklands (Malvinas) e Omã, como o surfista Marco Polo