Felicidade Compartilhada

3 de setembro de 2009



Alguns filmes tem o poder de ecoar fundo, permanecendo por muito tempo em nossas mentes e, de alguma maneira, transformando ou reafirmando a percepção que temos sobre aspectos fundamentais de nossas vidas.

No dia em que assisti Into the Wild (Na Natureza Selvagem) fiquei inebriado e motivado a elaborar algumas reflexões sobre como este filme, embora não contenha nenhuma cena de alguém descendo uma onda, representa de maneira intensa e poética o significado essencial da experiência de surfar.

O filme não é novo e por pura sintonia descobri no dia seguinte que o colega do Blog Di Praia havia recém publicado uma resenha sobre o impacto provocado pelo filme baseado na história real do jovem Christopher McCandless que largou tudo para trás no início dos anos 90 e foi para o Alasca em uma busca radical pela integração total com a natureza.

Contudo, não resisti em deixar minhas impressões pessoais sobre este tema, pois é justamente este desejo em desprender-se de todas as barreiras sociais e sentir-se parte de algo maior o que move e dá razão a experiência de surfar uma onda. E ai está justamente a relação direta de Into the Wild com tantos filmes de surf que buscam capturar este sentimento e nos fazem viajar através das imagens para paraísos distantes.

"O cerne do espírito humano vem das novas experiências". Esta frase poderia muito bem ter sido extraída do clássico On the Road de Jack Kerouac, uma das muitas referências literárias que podemos resgatar como formadoras deste poderoso imaginário de liberdade representado pela estrada - um universo temático que, de tão explorado pelo cinema nas últimas décadas, fez surgir o gênero "road movies".



Mas ao contrário dos alucinados e errantes beatnicks , o autor da frase é um jovem idealista sem apego a substâncias alucinógenas, apenas perturbadoramente focado em "deixar de ser envenenado pela civilização" e disposto a tudo para de alguma maneira se purificar no contato direto com a natureza selvagem, inspirado nas idéias do filósofo naturalista Henry Thoureau.

Conexão, pertencimento, inconformismo, um significado maior, a busca pela essência da vida... sentimentos universais e capazes de criar um desasossego insuportável para um jovem idealista de 22 anos em busca de uma verdade suprema.

Repleto de passagens poéticas e reflexivas, o filme foi produzido e dirigido pelo grande ator Sean Penn e com trilha sonora arrebatadora de Eddie Vedder do Pearl Jam, formando o que, ao meu ver, é uma verdadeira obra-prima - os dois já haviam trabalhado juntos com um resultado bastante emocionante no filme Dead Man Walking, outra história baseada em fatos reais, onde Penn interpreta um presidiário que aguarda a execução de sua sentença de morte.

Voltando às referências ao surf, Into the Wild me trouxe logo a mente a última e mais ousada empreitada de Rob Machado em seu novo filme The Drifter, (já citado anteriormente neste blog) onde ele cai na estrada como um errante solitário, perdido ao sabor do vento (e das ondas é claro!) na Indonésia - ainda não assisti ao filme, mas pelo trailer, é possível perceber claramente estas referências.

Mas o isolamento total cobra o seu preço e isto é muito bem dramatizado em Into the Wild. Numa das últimas passagens do filme, o exaurido personagem, depois de percorrer sua longa e intensa jornada, escreve em um livro o que na minha opnião é a frase mais marcante e significativa do filme: "A felicidade só é real quando compartilhada".

Dito isto, a dura lição desta história sobre a condição humana é que jamais conseguiremos ser plenamente felizes sozinhos, mesmo que estejamos surfando ondas perfeitas solitárias em algum paraíso terrestre. Prova disso é a ponta de decepção quando vivemos uma situação inesquecível, como pegar "a onda da vida" e depois perceber que ninguém assistiu à cena. Não é a toa que invariavelmente todo surfista costuma dizer que a sua sessão de surf ideal é aquela vivída em um dia de ondas clássicas com apenas alguns amigos dentro d`água.



E que tal se essa busca fosse compartilhada com a sua própria família? Neste caso vale dar uma conferida no documentário Surfwise, do diretor Doug Pray que resgata a incrível história do lendário surfista e médico judeu Dorian Pascowitz, que nos anos 50 largou tudo para passar as décadas seguintes viajando atrás de ondas perfeitas com a familia em um pequeno motor-home, onde viveu com a mulher e criou nada menos do que 9 filhos em condições no mínimo "alternativas" - o velho ainda esbanja saúde nos dias de hoje, surfando todo dia e comandando um famoso surf camp em San Diego com sua família.

O resultado um tanto traumático desta experiência de Paskowitz parece estar fundamentado no contraste insuportável entre a suposta liberdade e a total falta de privacidade de viver a família de forma tão intensa e radical. Afinal de contas, a felicidade proporcionada pelo surf e pela vida em geral deve estar baseada na idéia de compartilhar a liberdade, algo que só podemos experimentar de maneira plena a partir de nossa própria individualidade.

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