Faria +

29 de janeiro de 2010



Surfistas profissionais em geral não parecem encontrar muito tempo para se dedicar a mais nada além de viajar por paraísos aquáticos, no objetivo de competir e somar os pontos necessários para poder manter esse estilo de vida pelo maior tempo possível.

É fato que nem todos nascem com o dom da competitividade, carisma ou talento particular para poder viver as regalias do surf profissional no WCT. Infelizmente, a grande maioria acaba sucumbindo na falta de algum caminho além da lycra de competição. Junior Faria conseguiu escapar desta camisa de força e hoje o espectro de sua carreira de surfista profissional é cada vez mais abrangente e promissor.



As vésperas de lançar o seu primeiro filme, que traz o sugestivo título Eu Mesmo Faria –no qual atua como produtor e personagem principal -, ele divide o seu tempo entre a competição e as produtivas viagens de free surf pelo mundo para captar imagens de surf e exercitar o seu olhar fotográfico sobre estes cenários. Na interação com o oceano, a experimentação dos mais variados modelos de prancha revela este desejo constante em ampliar os horizontes.

O nome de Junior me chamou a atenção por conta de seus trabalhos artísticos - na alta qualidade de seu blog e fotografias, além da coluna Frames, que assina mensalmente na revista Hardcore. Um universo de olhares e impressões subjetivas que eternizam a experiência do surf como forma de arte e estilo de vida - algo que este blog e tantas outras publicações e iniciativas procuram expressar.


fotos: bruno maya

Minha percepção é de que a magia do surf não pode e nem precisa ser resgatada – como querem tantas tendências de moda retro e afins -, pois sua essência jamais foi descoberta nem tampouco perdida. O sentimento de plenitude do surf é intangível, mas todo surfista de verdade sabe reconhecê-lo na emoção que ele traz, mesmo quando não estamos deslizando sobre uma prancha.

Kelly Slater certa vez disse em uma entrevista que "o surf por si só não preenche a vida de ninguém”. Interpretei a frase como uma reflexão de que, por melhor que seja a vida de um surfista profissional, é preciso ampliar os caminhos de maneira criativa, de modo a encontrar um sentido maior. É claro que não estou aqui exigindo que cada surfista no mundo tenha a obrigação de exercitar a sua relação com o surf de maneira artística, pois cada um tem a sua visão e aptidão pessoal, mas aqueles que conseguem explorar estas possibilidades e inspirar os demais merecem um reconhecimento.

Assim, o que faz de Junior Faria um surfista interessante e relevante aos meus olhos é a percepção positiva de estarmos diante alguém que se dedica de corpo e alma na busca por expressar a essência de felicidade e liberdade proporcionada pelo surf.



A seguir, ele responde algumas perguntas para o Surf & Cult:

1 – Fale um pouco sobre o projeto do filme “Eu Mesmo Faria”. Qual a concepção e conteúdo do filme, e de que maneira você participou da produção?

Bom, o filme não foi algo do tipo: "Junior, vamos fazer um filme seu? ". Foi mais no sentido: "Poxa, quero fazer um filme meu..." daí pra frente com a ajuda de vários amigos que trabalham no mercado e da Hang Loose o projeto foi tomando forma.

Como viajei bastante e com diversos diretores diferentes entre 2008 e 2009, tive a idéia de pedir para cada um deles editar uma parte com as imagens que haviam sido captadas nesse período. Os amigos que trabalharam comigo foram Marcelo Dada, Pablo Aguiar, Gustavo Camarão, Henrique Daniel e Rafael Mellin, portanto serão 5 partes diferentes, mostrando visões distintas sobre minha performance - em locações no Peru, Chile, Marrocos, Hawaii, México, Guarujá e Indonésia - e principalmente apresentando o olhar característico de cada um desses incríveis diretores.

Pra amarrar tudo num roteiro e finalizar a produção contei com a ajuda do Rafael Mellin que, por ser um grande amigo meu, aceitou finalizar tudo com a mestria que todos já conhecem. A arte ficou por conta do Marcelus Viana, fera braba!

Como partiu de mim o interesse em produzir esse filme, apresentei a idéia para cada um dos caras e eles aceitaram! Daí pra frente fui atrás da Hang para patrocinar e da Hardcore para fechar a parceira na distribuição. Todos foram super solícitos e aceitaram fazer parte do projeto e estamos trabalhando até hoje para deixar tudo pronto no prazo. Acho que nesse sentido me encaixaria nos créditos como produtor também! (risos)



2 – Como e quando será o lançamento do filme e qual a sua expectativa em relação a ele?


A distribuição vai ficar com a Hardcore que firmou uma parceria e vai encartar o filme na edição de março, o filme também estará disponível para download na internet depois de algum tempo.
O mercado de filmes no Brasil vem ganhando espaço mas ainda é bem complicado. Portanto estou bem apreensivo com relação a recepção por parte de todos, dá um frio na barriga por "meter a cara" assim mas acho que é esse caminho. Espero que o pessoal curta o trabalho.

3 – Conte um pouco sobre o seu início no surf e a decisão de abandonar as competições e se dedicar profissionalmente ao free-surf?

Comecei a surfar muito cedo, aos dez anos já estava competindo. Fui seguindo esse caminho como competidor até o circuito mundial WQS e desde 2008 sou "freesurfer".

Costumo dizer que sou "surfista profissional" e que competição, freesurf, são caminhos dentro dessa profissão - defendo a liberdade de seguir qualquer lado que o surfe pode oferecer. Acredito que a competição é uma parte muito pequena dentro do universo do surfe e por isso não acho que seria interessante pra mim focar toda minha carreira nesse pequeno espaço, há muita coisa pra ser explorada, tanto técnicamente quanto culturalmente no surfe e ser SÓ competidor te limita em vários sentidos.

Mas pra mim o importante é ter um foco firmado no trabalho que deve ser feito, escolher o caminho que acredito do fundo do coração e trabalhar com seriedade sem deixar a harmonia do nosso estilo de vida de lado. Rótulos como "competidor" e "freesurf" se tornam superficiais quando se enxerga tudo que se pode fazer dentro do surfe.




4 – Você é um dos raros surfistas profissionais que se dedicam ao lado artístico-cultural ligado ao esporte. Fale um pouco sobre como estas atividades – fotografia, blog, coluna em revista – surgiram em sua vida e como elas complementam o seu trabalho?

Essas atividades surgiram bem naturalmente. Tenho interesse em vários assuntos e tanto o blog como a coluna na Hardcore foram oportunidades de dividir minhas visões e opiniões com outras pessoas. Gosto muito de música, livros, fotografia, filmes e é claro o lado artístico do surfe, portanto é um prazer participar da revista e manter meu blog.

5 – Quais os artistas (filmakers, fotógrafos, shapers) e surfistas que mais te inspiraram ao longo do tempo? Como você enxerga a mídia de surf atualmente?

Essa vai ser longa! (risos) Inspiração pra mim é ver Gerry Lopez, Tom Curren, Michael Peterson, Fabio Gouveia, Taylor Knox, Shane Dorian, Joel Parkinson, Dan Malloy, Rob Machado, Dane Reynolds, Joel Tudor, Harrison Roach, Alex Knost, Devon Howard, artistas como Ryan Tatar, Art Brewer, Jeff Divine, Jair Bortoleto, Kareca (Shine surfboards), Neco Carbone, Mario Ferminio, Pat Rawson, Skip Frye, Donald Takayama, Tyler Hatzikian, etc. É muito dificil listar assim, muita gente fica esquecida e pra ser bem honesto meu conhecimento cultural ainda é pequeno pra eu poder honrar todos aqueles que merecem o devido respeito.

Mas todos que cultivam a criatividade e tem água salgada no coração me inspiram, todos os artistas talentosos que nos emocionam através de filmes, música, fotografias, telas, tinta, pranchas me fazem continuar com alegria.



A mídia de surfe atualmente no Brasil está vivendo um momento bem interessante, ao mesmo tempo que vemos a mesma porcaria em grandes revistas e portais na internet, temos revistas grandes também se preocupando com conteúdo, arte, surfe. Na internet, pela liberdade que temos, encontramos vários artistas e jornalistas que tem uma opinião e que tratam o assunto com respeito e imparcialidade.

Interesse, manipulação, falta de cultura nós sempre vamos ver nos veículos de comunicação, o que me dá esperança é a atitude algumas pessoas e a vontade de mudar. Acho que é um processo lento e será impossível eliminar todos os parasitas do nosso mercado, mas vejo cada vez mais pessoas que de fato tem opinião e buscam conhecimento.



6 – Se tivesse que escolher um momento inesquecível vivido dentro do surf qual seria? Por que?

Acho que escolher UM momento é pior do que responder a pergunta anterior! (risos)
São muitos momentos que não esqueço. Mas é muito dificil, acho que é impossível na verdade. Costumo repetir pra mim mesmo que o importante é a jornada e não o destino, portanto procuro dar valor e agradecer por cada instante vivido dentro do surfe.

7 – Você é conhecido por gostar de experimentar diversos modelos de pranchas de surf. Como você aborda essa questão na hora de escolher com que prancha vai surfar? Quais os seus tipos de pranchas favoritos?

Eu gosto de surfar com a prancha que vou me divertir mais! Mas como surfista profissional, na maioria das vezes a diversão fica em terceiro, quarto plano.

Mas procuro manter a cabeça bem aberta pra todo tipo de equipamento, a gente se diverte no mar e não numa quadra, por isso acho fundamental adaptar o material ao que a natureza oferece naquele momento e também ao que vamos fazer dentro d'água.

Pra mim é impossível imaginar cair todos os dias com a mesma triquilha 6'0 a vida inteira. Existem diversas habilidades e técnicas que só podem ser desenvolvidas com outros tipos de prancha e pra mim essa busca por um conhecimento mais completo é fundamental.



8 – Quais os teus planos para o futuro e como você imagina a sua trajetória dentro do surf?

Dentro do surfe quero fazer muita coisa, desde de surfar melhor de longboard clássico até conseguir uma vaga no WCT! Se vou conseguir não sei, mas gostaria de tentar!
A curto prazo vou me dedicar ao WQS novamente nos próximos anos para buscar uma vaga no CT, gostaria de lançar outros filmes e continuar escrevendo e fotografando bastante! Existem vários projetos interessantes que quero dar continuidade também.

Enfim, gostaria de ver minha carreira se estender por bastante tempo, sempre explorando o máximo que eu conseguir dentro do surfe e buscando sempre melhorar como surfista, indepentemente de critérios de competição ou rótulos do mercado.



Créditos das fotos:
1,2,3 - Bruno Maya (Aesthetic)
outras fotos - arquivo pessoal Junior Faria

Links:
jrfaria.com
juniorfaria.carbonmade.com
hangloose.com.br/blog
juniorfaria.tumblr.com

2 comentários:

Felipe Siebert disse...

Altas entrevista Luciano! posso adaptar parte do teu texto no meu blog? estou fazendo uma fish 5`6" com um shape diferenciado para o Junior Faria e pretendo postar algo sobre...

Parabens pelo tabalho que vens desenvolvendo aqui, pode ter certeza que todo esse conteudo ainda vai te trazer muito reconhecimento...

Fico mais feliz ainda em saber que fui um dos incentivadores nesse teu trabalho..

ve se aparece la na "praia"... devo ir sabado e ficar até o carnaval...

Abraço,

Felipe Siebert disse...

tá ai um cara que eu patrocinaria... hehe

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