Êxtase e Pânico

10 de maio de 2017


Laje da Jagua de novo?! Você não cansa de ficar postando imagens e relatos dessa onda em alto mar? Será que já não foram divulgados vídeos, fotos e relatos suficientes sobre esta sessão em particular? Resposta: Talvez, mas preciso registrar também!

Fico pensando que até quem é bastante ligado em surf fica meio de saco cheio com esta profusão de imagens de uma sessão de surf da qual a pessoa não participou. O hábito de postar fotos pessoais na internet pode mesmo ser considerado como puro exibicionismo, tão comum nessa era de relacionamentos digitais, onde as aparências de uma vida a ser invejada definem se uma pessoa é ou não bem sucedida na vida.



Mas quero crer que o desejo que move a mim e aos outros surfistas que divulgaram estas imagens é a vontade incontrolável de compartilhar a emoção vivida, de modo a reviver e fazer perdurar momentos intensos.

Assim, publico aqui um material do último dia 28 de abril, que reservou mais um daqueles dias que por muito tempo ficam ecoando na memória. Foi o dia em que a Laje da Jagua "quebrou de jeito", onde todos os elementos se alinharam e eu, junto com mais uns vinte surfistas experimentamos o poder dessa onda oceânica em toda a sua magnitude. Foi o "dia épico" que esperei filmar sem sucesso, durante os dois anos em que produzi meu documentário sobre o pico.

Tissot e Capilé aceleram em meio à força descomunal da espuma da laje

Esquerdas grandes, lisas e constantes. 10, 12, 15 pés?! No aprendizado constante vivenciado a cada  sessão na Laje, desta vez eu pude testar novos limites físicos e mentais, seja no fato de provavelmente  ter dropado a maior onda que já surfei no litoral brasileiro (certamente a mais forte), como na experiência de ser varrido por uma das maiores séries do dia, quando tive que enfrentar o pior pesadelo de um surfista num dia de ondas grandes.



Minha única e inesquecível onda em três tempos

Do êxtase ao pânico, foram muitos momentos marcantes no meio de tudo isso. Da confraternização na lancha, acompanhando o trabalho do filmmaker Bruno Tessari e dos fotógrafos RafaShot e Luis Reis, ao foco máximo no posicionamento no lineup junto a grandes surfistas profissionais como Fabio Gouveia, Paulo Moura e MarcoPolo Soares, além dos "suspeitos de sempre" Thiago Jacaré, Fabiano Tissot, João Baiuka, João Capilé, Luiz Casagrande e André Paulista, os assíduos Arno "Bufalo" Philippi, Marquito Moares, Fabio Mia e mais uma penca de surfistas amantes do big surf.

 
O incansável João Baiuka mostrou preparo físico invejável e acumulou o maior numero de ondas surfadas

O guardião da laje Thiago Jacaré, comandou as ações como de costume

São muitos os perigos, muita coisa que pode dar errada, ainda mais em um lineup cheio como neste dia. De minha parte, em uma hora de sessão meu destino já estava selado: começou com um drop inesquecível numa das primeiras séries do dia. Depois, o primeiro susto com uma pranchada no quadril vinda do enorme SUP do Tissot, que teve que ejetar o drop para a passagem de João Capilé que vinha acelerado no tow-in.

Paulo Moura adicionou altas doses de talento e experiência ao lineup

MarcoPolo demorou a se soltar, mas quando o fez, foi com muito estilo

Poucos minutos depois, o preço alto de se encontrar mal posicionado para a maior série do dia até então, que entrou mais funda que as outras ondas e colocou a turma para remar pela vida em direção ao horizonte. Jamais esquecerei da imagem daquela parede interminável de espuma se projetando inteira a poucos palmos do meu nariz. "O que estou fazendo aqui?!" é o questionamento inútil e inevitável. Não havia muito o que fazer: era largar a prancha, pegar a maior reserva de ar possível, afundar o corpo e encarar a sessão de "lavanderia" com o maior relaxamento corporal e mental possível.

Fabiano Tissot na possível maior onda do dia, certamente a maior que ele já surfou na laje

A chacoalhada foi forte e longa. Fui projetado bem pro fundo do mar, mas por sorte não toquei o fundo de pedra e o colete de flutuação fez a sua função de me trazer de volta com mais agilidade à superfície. Quando voltei a tona, estava inevitavelmente tenso com a experiência e os segundos preciosos perdidos até ser avistado pelo jetski de resgate, fez com que eu tivesse que encarar as outras ondas da série que vinham atrás.

André Paulista conhece bem o caminho na laje

"Não dá tempo. Vai ter que encarar mais duas!", passou gritando por mim Carlos Piri pilotando o jetski.  Essa perspectiva me deixou bastante preocupado, pois já não me sentia fisicamente preparado para mais esse desafio devido ao desgaste extremo da primeira onda na cabeça. No fim, sobrevivi à surra, sendo carregado até o canal pela força bruta das ondas, mas não tinha mais condições físicas de voltar ao lineup.



Fui então descansar na lancha e assistir a performance da galera botando pra baixo com vontade.  Fiquei especialmente feliz em ver o mestre e amigo Fia Gouveia colher os frutos das muitas investidas que fizemos juntos à laje, principalmente porque ele quase não veio desta vez (ia se arrepender!), mas não resistiu à tentação quando fui até a sua casa pegar a 9'6'' que ele me emprestou para a session. A recompensa se materializou em algumas das melhores ondas do dia, surfadas de maneira impecável. "Finalmente!", ele bradou com um sorriso de orelha a orelha.

O mestre Fabio Gouveia mostrou seu estilo habitual e não errou nenhum drop em muitas ondas surfadas

Após algumas horas acompanhando o show de surf em ondas constantes, não resisti e resolvi fazer mais uma investida na remada, contrariando os avisos do meu corpo moído pela surra matinal. E assim, tive mais um aprendizado: ao hesitar na remada e puxar o bico numa bomba perfeita, percebi que não deveria estender os meus limites além do que já havia feito. Meu instinto me alertou que eu não poderia me dar ao luxo de errar um drop e ter que encarar mais um caldo daqueles. Assim, retornei para a lancha, não sem antes ter que largar a prancha em mais uma série deslocada que quase me pegou. Estava de bom tamanho!

Fabio Mia colheu os frutos de várias investidas na laje

O espírito coletivo de uma expedição à laje é algo único no surf e que contagia a todos que participam. Mas o desafio da conquista e da superação pessoal de nada valeria se não voltássemos a terra firme sem maiores incidentes além das inevitáveis pranchas quebradas.

Eu e Fia prestes a embarcar em mais uma expedição na laje

Fotos: Luis Reis e RafaShot. Abertura: Fabio Gouveia na foto mais icônica da session.



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