A Força

18 de setembro de 2009


Um intoxicante pensamento positivo irradiava a sua volta. Brisa soprando a favor, pressentimento de uma certeza: as ondas estariam grandes e lisas. Passando a margem dos milharais que produziam um belo contraste com o céu azul límpido, a conjunção dos elementos apontava para a fantasia de imagens de ondas perfeitas. Expectativa: o mar estava de ressaca no dia anterior, mas com a passagem da tempestade deve ter se acertado.

Os campings vazios não interrompiam o silêncio, bem como as casas de veraneio de moradores desconhecidos, em sua maioria fechadas. Passou por duas crianças brincando despreocupadamente no meio do asfalto. Era um lugar tranqüilo para criar filhos em liberdade.

Forçou a pedalada na subida íngreme, que representava o último obstáculo antes de seu encontro visual com o oceano. Estava tão físsurado em chegar ao topo, que nem sentira a dor do impacto de seus pés descalços sobre os pedais de metal pontiagudos. Prendeu a bicicleta e seguiu apressadamante os últimos passos. Cercado pelas dunas de areia, estava ofegante. Parecia estar chegando a um oásis no deserto não fosse a faixa de asfalto quente.

Jamais se esqueceria da cena que avistou a seguir: séries com ondas de mais de seis pés marchavam em direção a areia, alisadas por uma brisa terral. Linhas energéticas contendo o poder das forças naturais, que se deslocavam desde os confins do oceano até atingirem a costa. Quebravam numa arrebentação além do local que estava acostumado, seguindo perfeitas em ambas as direções e conectando até a beira da praia. A conjunção dos elementos se materializara. O sonho era real.



Era um domingo de sol forte e, apesar do verão estar terminando, logo as areias da praia iriam se encher de visitantes. Mas dentro do mar as condições estabeleciam uma seleção natural: somente aqueles dotados de boa remada, resistência e persistência conseguiriam varar a arrebentação e desfrutar das ondas perfeitas.

Persistência não faltou diante de cada massa d`água que tentava varrê-lo de volta à areia. A situação era enfrentada como mais um desafio. O fôlego começou a falhar. Remava e remava sem conseguir sair do lugar.

O surfista em sua relação com o mar aprende lições que encontram paralelo com as situações cotidianas vividas pelo homem em sociedade. O aprendizado sobre o respeito aos elementos reguladores da natureza, que fogem ao controle humano, de poder insignificante, reside em saber compreender e tirar proveito das forças que parecem conspirar contra nós.

No caso do mar, suas correntes e marés estão em constante mutação, repletas de mistérios. Ensinam que a vida dá voltas e que temos sempre que nos adaptar a um mundo em constante mutação. Embora possa parecer, uma onda nunca é igual à outra, assim como um dia jamais se repete. A força e a magnitude do oceano faz o surfista compreender sua insignificância diante dos poderes, muitas vezes ocultos, que nos cercam.

Depois de muito esforço varou a arrebentação e saboreou a recompensa. Deslizou por longas paredes de água que formavam cilindros cristalinos, em total harmonia com o oceano. Só aqueles que já ficaram em pé numa prancha podem vislumbrar a sensação que surfar uma onda pode proporcionar.

Segundos de adrenalina que valem por uma eternidade, o sentimento de integração total: quando o canudo cristalino se fecha à sua frente, o mundo exterior deixa de existir, e o corpo se suspende para uma outra dimensão de tempo e espaço. O turbilhão provocou um desejo incontrolável de gritar, exteriorizando a emoção da liberdade total. Um sentimento universal, básico, que une todos surfistas espalhados pelos quatro cantos do planeta.



Vínculo que estabelece uma verdadeira comunidade. Vício que une uma tribo de nômades, capazes de enfrentar as maiores adversidades para encontrar ondas perfeitas, de preferência um local isolado e solitário. Uma busca obsessiva e infinita, diante das possibilidades que se apresentam àqueles que não temem se aventurar por águas desconhecidas. Desbravar o mundo em busca do objeto de desejo, do sonho acordado, desenhado nos cadernos da escola.

No decorrer daquelas quase cinco horas dentro no mar, reencontrou o prazer e a motivação inicial, que havia sido o impulso fundamental para realizar aquela viagem... Para aqueles que não compreendem o fascínio que o surf pode exercer, estas linhas não passam de devaneios. Isto porque tentam registrar sensações que não podem ser expressas em palavras, visto que elas são insuficientes em sua significância.


O texto acima é um capitulo extraído do livro Expectativas e Despedidas de minha autoria. Inspirado nas andanças que fiz pela Europa no final dos anos 90, onde o surf exerceu um papel de destaque, a obra foi o meu trabalho de conclusão do curso de jornalismo e publicada pela editora Papel & Virtual em 2001.

As fotos retratam alguns cenários do litoral sudoeste da França que condizem com a essência do pico de surf citado no texto que fica na região de Messanges.

2 comentários:

Caio Antunes disse...

Muito bom o texto, parabéns! Esse é um daqueles dias que ficam para sempre na memória do surfista.

Achei o blog por acaso, vou visitar mais vezes.

Eu iniciei um blog sobre surf há pouco tempo com um brother meu www.oserdosurf.blogspot.com se puder dá uma passada lá.

Boas Ondas!

Blog Nalu Surfboards disse...

Caro amigo!!
Sou colecionador de livros que falam sobre surf e gostaria de mais informação do teu livro Expectativas e Despedidas, entrei no link e não encontrei a página, tenho um blog de noticias e do meu acervo de livro se quiseres conferir ai vai o endereço. Fico no teu aguardo do retorno!!
http://nalusurfboards.blogspot.com

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