Liberdade Consciente

7 de abril de 2015


 [Entrevista publicada na edição 2.3 da revista The Surfer's Journal Brasil] 

A jornalista Lorena Montenegro nasceu longe da praia e, apesar de trabalhar diretamente com o surfe, continua a passar muito tempo longe dela quando está em serviço.

Quando tinha 17 anos, ela largou o Rio Madeira em Rondônia para vir estudar no Rio de Janeiro e foi acumulando uma uma longa bagagem como repórter e redatora no canal de esportes de ação Woohoo.  Nos últimos dois anos, Lorena passou de vez para a mesa de edição, onde tornou-se uma das profissionais de maior destaque quando o assunto é surfe na televisão, assinando diversos episódios de séries veiculadas no Canal OFF, como “Sol e Sal”, “Na Onda”, “A Vida Que Eu Queria”, além da websérie “Onboard”.

Hoje Lorena é uma surfista fissurada e uma das poucas representantes femininas atuando com sucesso por trás das lentes. A frente de sua produtora Moana Filmes e lançou “Locais” o seu primeiro documentário como diretora, que mostra a visão dos surfistas locais de Fernando de Noronha sobre este paraíso brasileiro das ondas (a paixão por Noronha também deu origem em 2014 à série de tv "Da Ilha" veiculada no canal Woohoo).  Na entrevista a seguir, ela conta um pouco sobre a sua trajetória:





1- Fale um pouco do seu envolvimento inicial com o surfe?

Sou do rio mas não vivo longe do mar. Nasci perto do Madeira, em Rondônia, numa cidadezinha que faz fronteira com a Bolivia, em meio ao abundante verde amazônico - razão do meu apego incondicional à natureza. Apesar da distância que nos separava, o mar entrou na minha vida muito cedo, nos drops de bodyboard das férias da infância nas praias de Natal e do Rio, lugares onde tenho familia. Lembro de passar o dia na água com uma prancha verde e laranja, o jeito que minha mãe encontrou para não me perder em meio ao crowd de Ponta Negra. Aos 17 anos, me mudei para a cidade maravilhosa para estudar jornalismo e aprendi a surfar em pé. Nunca mais quis descer uma onda deitada.


2 – Como você conseguiu aliar o seu envolvimento profissional como o mundo do surfe?


Desde pequena gostava de escrever poesias e contar histórias. Meu chefe de redação, Bruno Bocayuva, que me ensinou muito do mundo salgado da tv, me chama de Cora Coralina do surfe, pois diz que sempre tento colocar um pouco de “alma” no textos mais banais. Escrevo há anos um programa de cinema que abre espaço para filmes de esportes de ação, o Moovies. Já perdi a conta de quantos deles eu assisti, pois o programa é semanal – o que me deu uma bagagem importante para criar a minha própria linguagem.

Como surfista procurei dar uma atenção maior aos documentários do universo das ondas, algo que me fascina desde que entreguei minha monografia na Puc-Rio, que era um documentário sobre a história do surfe feminino. No final da faculdade de jornalismo conheci os filmes de Eduardo Coutinho e comecei a trabalhar com tv e perceber que as imagens poderiam ser tão ou mais poderosas que as palavras.

Como jornalista, a escrita sempre foi minha arma principal, mas a tv abriu meus olhos para um novo jeito de conversar com o mundo.  Sabia que poderia mostrar com êxito meu ângulo das coisas.




3 – Conte um pouco sobre as experências nos anos de trabalho para o canal Woohoo?

Fui contratada pelo canal Woohoo e viajei país afora como repórter de campeonatos de surfe e skate, entrevistei de Wayne Rabbit a Taj Burrow, de Hosoi a Burnquist, fiz transmissões ao vivo em inglês e espanhol de etapas do WQS e até em corrida de aventura noturna eu me testei. Aprendi muito sobre tv trabalhando com os caras que fizeram o meu filme nacional favorito, “Fabio Fabuloso”. A influência da “familia Bocão” é clara, afinal, eles começaram todo o movimento do surfe na midia e me abriram as portas para este universo apaixonante. Mas não era só sobre resultado de campeonatos que eu queria falar.


4 – Quais são as suas principais referências em filmes de surfe?


Escrevendo sobre filmes de surfe, encontrei meu universo e aprendi a respeitar outros caras pelo pioneirismo, como Taylor Steele e Jack McCoy. Este último tive o prazer de conhecer pessoalmente em 2012 cobrindo a Mostra de Surfe do Festival do Rio. Um senhor que exala jovialidade, aloha e que me ensinou a ter lentes no lugar dos olhos. Com mais de 30 anos de cinema, ele se mantém sempre com a camera à postos e me encantou com seu sorriso largo que transparece o amor ao trabalho traduzido em imagens aquáticas de tirar o fôlego. Estes caras são referência, e mesmo hoje em dia isso pode ser visto em produções que se distanciam da antiga e repetida fórmula estipulada por estas lendas do cinema-surfe.

Jovens diretores como os famosos irmãos Malloy, ou os menos conhecidos Britton Caillouette de “Sliding Liberia”, Tiffany Campbell de “Dear and Yonder”, Bryce Lowe-White de “Distant Shores” e Nathan Oldfield de “The Heart and The Sea”, são pessoas que, na minha opinião, conseguem trazer para as telas frações da essência, do valor e da importância imensurável do surfe em nossas vidas. E é isso que me inspira.



5 – Não existem muitas editoras dedicadas ao surfe não é mesmo? Como você se descobriu nessa função?

Meu primeiro trabalho em campeonatos de surfe foi no evento da faculdade, à convite do amigo Gui Braga. Eu escrevia os textos e a Daniela Lima editava os videos do PucSurf (circuito universitário). Começamos juntas no Woohoo e ela sempre me mostrava suas edições ousadas na época em que surfávamos na Joatinga antes de ir pra aula. Acabei sendo picada pelo bichinho do Final Cut (software de edição) há alguns anos e não consigo mais me recuperar.

Somos poucas editoras no mercado audiovisual das ondas e a Dani sempre foi pra mim um exemplo de profissional criativa e original. Além disso ela me ensinou muita coisa e também tem sua produtora, algo que me inspirou a caminhar com meus próprios pés. Acho que o diferencial está na abordagem, no olhar e na forma como determinada realidade é apresentada. Sem dúvidas ou sexismos, a visão feminina garante sim o toque de sensibilidade. 

No inicio da carreira como editora trabalhei muitas madrugadas para entregar os programas de tv à tempo, editando dia e noite para 2 canais: em 2011 comecei a editar para o Multishow o reality da surfista Claudia Gonçalves no esquema home office. Este mesmo programa estreou no OFF quando o canal nasceu, e de lá pra ca já tive o prazer de participar de projetos bem legais: “Sol e Sal”, “Na Onda” e “A Vida Que Eu Queria”.


6 – Fale sobre a sua produtora Moana e o documentário “Locais”?


Quando percebi que meu real sonho plantado na época da monografia estava ficando de lado, resolvi montar minha própria produtora, a Moana Filmes (que significa “oceano” em havaiano) e comecei a filmar meu primeiro documentário com as economias da poupança.

A babagem têm crescido: além da paixão pelo cinema que me abriu os olhos com Tarantino, Fincher e Almodovar, fiz cursos de direção de fotografia, roteiro e filmagem. Tenho o privilégio de ter uma familia que me apoia e me deu ótimos exemplos, e um irmão piloto que, além de ser meu companheiro predileto nas ondas, me propicia beneficios para que eu possa viajar bastante sem gastar muito. Foi assim que facilitei minhas idas à ilha de Fernando de Noronha para filmar com a Michele Roth o projeto intitulado LOCAIS, um documentário que mostra o nosso Havaí pela visão dos que melhor o conhecem (o filme conquistou prêmios e foi exibido em festivais na Alemanha, Suiça e Dinamarca).

Estava cansada das abordagens turísticas e resolvi mostrar nosso maior paraíso de um lado até então invisível: o dos locais. Uma singela ode ao oceano através de histórias de amor incondicional ao gigante azul que sempre me fornece as energias para continuar. É no mar que eu me recarrego, é pra ele que eu corro quando preciso de paz e concentração. 

Profissionalmente, foi incrivel entrar na vida dos personagens da ilha e ver meu 1º doc no ar no Canal OFF no mês de agosto (de 2013), com a divulgação bombando em sites e grandes jornais - e com direito à uma premiere emocionante no cinema Mil Estrelas de Noronha. A sensação foi de realização plena e um incentivo para continuar em frente.





7 – Quais os teus planos profissionais daqui pra frente?

O meu objetivo é traduzir esta paixão e respeito ao reino de Netuno em imagens e histórias, e levar este sentimento para as pessoas que não valorizam a importância do oceano nas nossas vidas, Assim como o “Locais”, os projetos da Moana Filmes tem um forte cunho ambiental através da relação intima de seus personagens com a natureza.

Além de expandir esta ideia para outros picos de ondas perfeitas, estou filmando um curta-metragem sobre uma figura que cuida por conta própria do Arpoador, quintal da minha casa no Rio de Janeiro e berço do esporte que, em pleno século XXI, ainda sofre com a falta de consciência ambiental. Tenho estes e outros projetos engatilhados. A intenção é dar exemplos fortes e inspirar as pessoas a mudar o jeito de cuidar de si e do planeta.

A paixão pelos documentários só cresce a cada personagem que cruza as minhas lentes. Um deles me disse certa vez que “liberdade é consciência do limite” e tento mentalizar isso para não cruzar certas fronteiras sem ser convidada durante as entrevistas. O roteiro surge a cada porta que se abre. Música é uma das minhas paixões, então me preocupo demais com trilhas sonoras que traduzam a emoção de cada cena também.

Meu sorriso fica solto quando estou filmando, na praia, na casa das pessoas, trocando boas energias e vivendo experiências valiosas para a minha evolução pessoal e profissional. Sem dúvida alguma eu ainda quero fazer muitos documentários, transmitir boas mensagens e morrer cheia de histórias pra contar. Este é apenas o começo e acho que vou fazer isso até quando minhas pernas não aguentarem mais o drop na marola.



Atualizando:

No final de 2014, fui convidada pelo surfista Marco Polo a filmar uma viagem dele às Ilhas Falklands (Malvinas), porta de entrada da Antártida, provavelmente o documentário mais difícil de realizar, pois filmei tudo sozinha do início ao fim em praias desertas, com vento forte e debaixo de neve, em um frio ate então inimaginável para uma cria do calor amazônico. Mas rendeu um doc muito legal, assim como o que fiz recentemente sobre a 21k Noronha ASICS, uma meia maratona no meu paraíso favorito. Agora trabalho com a minha parceira Michele Roth e um cinegrafista gringo, Frederico Medina, para finalizar um doc de surf art. A produção não pára…



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